Depois de
muitas interrupções, acabei finalmente a
leitura de um excelente livro: O RIO DA DÚVIDA, da escritora Candice
Millard, na edição brasileira (Cia. Das Letras) traduzida por José
Geraldo Couto.
O livro
trata de um assunto que eu conhecia vagamente, mas sobre o qual tinha
certa dificuldade em conseguir mais informações: uma expedição
empreendida no início do século passado, envolvendo o nosso
lendário Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon e o ex-presidente
americano Theodore (Teddy) Roosevelt.
Candice Millard é escritora e jornalista, e já foi editora da revista National Geographic. O Rio da Dúvida foi seu primeiro best-seller. Destiny of the Republic, sobre o presidente americano Garfield, foi outra obra de sucesso.
De
janeiro a abril de 1914, um grupo heterogêneo de brasileiros e
americanos que partira de Tapirapuã, uma aldeia no Mato Grosso,
desceu em canoas por um rio desconhecido, buscando sua foz.
O
objetivo era mapear o curso do misterioso rio, chamado até então
Rio da Dúvida, e depois rebatizado Rio Roosevelt, em homenagem ao
ilustre convidado.
Rondon e outros exploradores presumiam que este
seria mais um longo afluente do Amazonas (na realidade, ele se une ao
Rio Madeira, um dos principais afluentes do Amazonas, sendo
considerado seu afluente) . Naquele longínquo 1914, há quase cem
anos, a única forma de mapear um rio era descer por ele,
documentando o seu curso a medida que se progredia, nas suas águas
ou nas suas margens. É claro que era preferível descer o rio de
carona na sua correnteza, placidamente sentado em uma canoa...
Mas, o
inexplorado Rio da Dúvida reservava surpresas nada agradáveis ao
longo de seu leito, tanto nas suas águas como nas suas margens.
Suas
águas não se mantinham plácidas por muito tempo e logo se
precipitavam em incontáveis corredeiras, algumas impraticáveis para
as pesadas pirogas usadas pela expedição, que neste caso, tinham
que ser arrastadas por terra.
O
território em torno das margens do rio, além de ser escasso em
animais que servissem de caça, ainda contava com a presença
dissimulada mas ameaçadora dos hostis índios cinta-larga, com suas
flechas envenenadas e bordunas.
(A escassez de animais relatada talvez se devesse aos ruídos da numerosa massa de homens em deslocamento com seus equipamentos e provisões, agindo como um verdadeiro espantalho para a fauna nativa.)
Roosevelt,
apaixonado por aventuras gloriosas, na ocasião já estava com mais
de 54 anos, levava junto consigo seu filho Kermit e uma pequena
comitiva de convidados americanos, alguns dos quais foram
gradativamente se retirando, a medida que a jornada endurecia...
A jovem
escritora fez um bom trabalho, e relata de forma isenta o
relacionamento às vezes tenso, mas sempre respeitoso entre o então
coronel Rondon e o ex-presidente americano.
As formas
de ver de ambos os líderes eram bem diferentes: para Roosevelt,
naquelas condições, assassinatos deviam ser punidos imediatamente
com a morte e ataques de índios rechaçados a tiros, enquanto que
Rondon mantinha-se fiel às leis brasileiras e à sua célebre divisa
no trato com as populações indígenas: “Morrer, se
preciso...Matar, nunca!”
O fim da dúvida: Roosevelt e o nosso herói Rondon posam ao lado da placa que oficializou o novo nome Rio Roosevelt, em homenagem ao ex-presidente americano, que quase pereceu durante a jornada.
O oficial
brasileiro, ele próprio descendente de índios, não hesitava em por
em risco a vida de seus comandados e até mesmo a sua, para evitar
qualquer violência contra os silvícolas, por mais ferozes que
fossem.
Além
disso, Rondom estendia ao longo do seu caminho cabos telegráficos e
colocava marcos de referência, atividade que, para Roosevelt,
atrasava a marcha da expedição. O que para o americano era um
safári recreativo, para o brasileiro era mais uma missão na sua
perigosa rotina de explorador.
Mas, a
selva brasileira era mais traiçoeira do que poderia imaginar o
ferrenho Roosevelt. Cobrou seu preço em vidas de soldados, e o
ex-presidente, que já tinha problemas físicos em uma das pernas,
viu-se incapaz de prosseguir por seus próprios meios. Não querendo
se tornar um fardo, chegou a planejar a própria morte, só não
cometendo o suicídio por intervenções de Rondon e de seu filho
Kermit.
Alguns
anos mais tarde, Theodore Roosevelt faleceria, em parte por
consequências das sequelas sofridas nesta épica jornada pelas
selvas brasileiras.
Ironicamente,
os cabos telegráficos colocados durante a expedição logo se
tornariam obsoletos, com a introdução do telégrafo sem fio.
Obviamente,
a autora se concentra mais no drama sofrido por Roosevelt, mas não
deixa de destacar a personalidade marcante do nosso super-herói
Rondon.
Um
excelente livro, onde se tem as sensações e aflições de estar
realmente no interior da floresta e balançando nas rasas canoas,
descendo aquele que um dia foi chamado o Rio da Dúvida, tal era o
mistério que o cercava.
Se
puderem, leiam! Melhor que muito filme!
Aliás,
como Hollywood ainda não descobriu essa excelente história real?