Hoje,
quando meu blog completa dois anos de atividades, escolhi recordar
meu primeiro post: UMA FAÇANHA ESQUECIDA.
Nesta
primeira incursão blogueira, eu contei um fato que me causou grande
impacto na infância: a chegada à Porto Alegre de uma jangada
tripulada por cinco jangadeiros, vindos do distante Ceará, lugar que
eu mal podia imaginar como seria.
Aos olhos
dos gaúchos, os veteranos e bronzeados navegantes nordestinos chefiados pelo
lendário Mestre Jerônimo, surgiram (com justiça) como verdadeiros heróis, como
se tivessem descido do espaço, vindos de outro planeta. E durante
alguns dias, só se falou deles, com justa admiração.
Mas
quando, 60 anos depois, resolvi escrever sobre este fato, fiquei surpreso com a
quase total falta de informações sobre o assunto, como se aquilo nunca
tivesse acontecido!
Foi
preciso uma busca penosa e insistente, e contatos com outros blogueiros
até que eu finalmente pudesse confirmar que não fora um sonho nem
um fato imaginário, mas uma história real, esquecida por quase
todos.
Hoje sei
mais sobre este evento do que sabia na época em que escrevi o post
original.
Graças à ajuda de meus amigos Jair e Barcellos, e de outros
blogueiros, algumas informações puderam ser acrescentadas ao texto:
A jornada à Porto Alegre já não era a primeira aventura de Mestre
Jerônimo e seus companheiros. Em 1942, eles foram documentados em
um “raid” Fortaleza-Rio, por ninguém menos do que Orson Welles,
o talentoso ator e cineasta americano, que se encontrava no Brasil,
filmando o documentário (jamais concluído) IT'S ALL TRUE. E,
durante estas filmagens, no Rio, ocorreu a morte acidental de Manoel
Olímpio Meira, o Jacaré, um dos jangadeiros.
Mais informações sobre Jacaré no excelente blog de Jaqueline Cordeiro: COISA DE CEARENSE, link:
http://coisadecearense.blogspot.com.br/2010/07/historia-do-ceara-o-pescador-jacare.html
Assim, esta viagem, que se estendeu até Porto Alegre em 1951, teria
sido a segunda da mesma equipagem.
“Algo
parecido ocorrera em 1923, quando quatro jangadas, sob o comando de
Mestre Filó, viajaram do Rio Grande Norte até o Rio de Janeiro,
para animar os festejos do Centenário da Independência. Os
jangadeiros potiguares foram brindados, na época, com um poema de
Catulo da Paixão Cearense, mas seu feito não chegou à imprensa
estrangeira nem virou filme.”
Isso
mostra que aparentemente os pioneiros em raids de longo curso em
jangada foram estes potiguares que fizeram a viagem ao Rio em 1923.
No site
da USP sobre o XXVI Simpósio Nacional de História, achamos um excelente trabalho de BERENICE ABREU CASTRO NEVES, da Universidade Estadual do
Ceará :
Os
Jangadeiros de Vargas: Reflexões acerca das viagens reivindicatórias
de jangadeiros cearenses.
Neste
texto, que faz análises bem profundas sobre as motivações sociais
das jornadas empreendidas pelos jangadeiros, há uma citação
atribuída ao lendário Mestre Jerônimo:
Ӄ
uma vida desgraçada essa nossa, tão desgraçada que parece que as
autoridades tem medo de olhar pra ela cara a cara”.
A autora
conta com exatidão a data da morte de Jacaré, na viagem
de 1942:
“Manuel
Olimpio Meira, conhecido como Jacaré, morreu nas águas da
Guanabara, em 19 de maio de 1942, quando filmava para o diretor
americano Orson Welles as cenas da chegada da Jangada São Pedro ao
Rio de Janeiro.”
Em outro
trecho, ela acrescenta mais informações sobre a jornada de 1951,
inclusive o nome dado à jangada usada na viagem à Porto Alegre:
“A
bordo da Nossa
Senhora de Assunção,
o mesmo mestre Jerônimo (com 52 anos), o sexagenário Raimundo
Correia Lima, o Tatá (com 62 anos), e Manuel Pereira da Silva, o
Manuel Preto (com 49 anos), antigos companheiros de Jacaré, que
fizeram com ele a viagem até a capital da República, a bordo da
jangada São Pedro, em 1941. Mais dois Manuéis vieram juntar-se aos
veteranos: eram os pescadores Manuel Lopes Martins (59 anos) e o
sobrinho de Mestre Jerônimo e mais novo do grupo, Manuel Batista
Pereira (com 30 anos), a quem o jornalista do Unitário (14/10/1951)
descreve como 'moço e forte como um touro'.”
E
prossegue mais adiante:
“Em
outubro de 1951, os cinco tripulantes da jangada Nossa Senhora de
Assunção, partem rumo a Porto Alegre, levando na bagagem, além dos
apetrechos necessários à tão longa e arriscada travessia,
memoriais contendo a reivindicações da classe. Mas, como disse
Mestre Jerônimo a um jornalista, não iam pedir nada de novo, apenas
cobrar o cumprimento das promessas feitas.”
Agora,
ainda me resta cumprir uma etapa: voltar ao Museu Júlio de
Castilhos, em Porto Alegre, e saber que destino teve a jangada, assim como as roupas e
objetos dos tripulantes, que eu vi pessoalmente nos anos 60!
Mas, nesta data, quero agradecer aos amigos que me incentivaram a criar este espaço e aos que, se declarando ou não como leitores (seguidores), volta e meia aparecem para ler, e às vezes também comentar, minhas postagens.
Só as visitas de vocês, amigos, é que motivaram a existência e a sobrevivência d'O ASTEROIDE durante estes dois anos.
Continuarei usando este espaço como um local para compartilhar minhas experiências, curiosidades, divagações e sentimentos com todos vocês!
Muito obrigado!