FRASE:

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"Se deres um peixe a um homem, vais alimenta-lo por um dia; se o ensinares a pescar, vais alimenta-lo a vida toda."

(Lao-Tsé, filósofo chinês do séc. IV a.c.)

sábado, 25 de setembro de 2010

OS LIMITES DA MENTE

Qual o limite do desenvolvimento da mente humana?
É uma pergunta evidentemente sem resposta, mas que pode nos levar a ponderações e ideias bem interessantes. A humanidade  é muito jovem em relação a outras formas de vida do nosso planeta.  Até mesmo em comparação a algumas que foram extintas, mas que perduraram por muito tempo em relação a nós, pelo menos até este momento.
Como esta é uma questão sobre a qual a ciência não tem muito a nos acrescentar, a não ser os costumeiros postulados que mais cedo ou mais tarde caem por terra, eu me atrevo a tecer, de forma empírica, as minhas próprias considerações.
E assim, quem sabe, despertarei na mente de quem ler estas linhas outras ideias sobre o assunto, certamente algumas delas tão boas ou melhores do que as minhas.
Desta forma, vou expelindo minhas divagações como numa conversa de boteco, em companhia de bons ouvintes e interlocutores e de um bom copo de cerveja, apenas gelada (nunca estupidamente, como aprendi com os que sabem apreciar o malte).
Volta e meia eu vejo, com certo aborrecimento, empresas de hardware anunciarem previsões de que, em alguma data próxima, serão capazes de produzir um computador com capacidade de processamento superior à mente humana.
Seria o caso de perguntar em que dados eles se baseiam. Isto porque, que eu me lembre, nunca vi ninguém capaz de responder à perguntinha que faço no início desta matéria.
Que eu saiba, computadores, na sua essência, só conhecem dois algarismos: um e zero, e fazem todas as suas operações baseadas em combinações deste dois algarismos. Só que fazem isso com tanta velocidade que parecem estar processando da mesma forma que a mente humana. Um professor de física que eu tive em Recife costumava dizer que o computador é burro, mas faz as coisas de forma burra com tanta velocidade que nos faz acreditar que é inteligente! É como um garoto que faz contas nos dedos, mas só tem um dedo, porém, é incrivelmente rápido com este dedo.
Nos anos 60, era moda os gurus de plantão dizerem que só utilizavamos 10%, 1% ou 0,1% de nossa capacidade mental. Mas a minha pergunta era: como podemos atribuir estes percentuais, sem conhecermos a capacidade total, os 100%?
Acho que deveriam dizer é que "ainda não utilizamos plenamente nossa capacidade mental"!
Algumas destas afirmações se baseavam nas atividades elétricas observadas nos neurônios. Observações mostraram que grande parte deles pareciam inativos, apesar de potencialmente operacionais. Daí, chegaram a conclusão de que eles estavam ali "stand by", esperando que aprendessemos a utiliza-los. Em alguns casos, foi observado que, quando algumas pessoas perdiam parte da atividade em regiões do cérebro por traumas físicos sofridos, outras regiões até ali aparentemente inativas pareciam assumir as funções antes executadas pelas partes eliminadas.
Em determinados momentos, não tão raros, nos deparamos com artigos de revistas e jornais, programas de TV e documentários sérios sobre pessoas com capacidades bem acima do comum. Indivíduos capazes de executar mentalmente operações matemáticas bastante extensas em tempo inferior ao de uma calculadora eletrônica (devido à digitação), ou de memorizar instantaneamente uma lista telefônica ou um dicionário. Isto para não falar dos dotados de telepatia, telecinese ou premonição. E o cérebro destas pessoas não parece de forma alguma estar sobrecarregado, superaquecido ou fatigado, continuando a executar tudo o que normalmente é feito pelos não-dotados de faculdades especiais. Pessoas comuns em tudo o mais, exceto por tais dons.
No século passado, havia na União Soviética um grupo de cientistas empenhados em pesquisas com pessoas capazes de tais façanhas, com a finalidade de utilizar os dons dessas pessoas nas atividades dos seus serviços de espionagem e inteligência. Pouco se sabe sobre os resultados das experiências realizadas.
As primeiras pesquisas sobre o DNA humano demonstram uma impressionante uniformidade genética entre a nossa espécie. Segundo eu ouço falar, há mais diferenças entre o DNA de cães do que entre os de seres humanos de qualquer parte do mundo. Segundo dizem os homens de ciência, possivelmente isto é devido ao fato de que em determinados momentos da história (ou da pré-história) a espécie humana esteve reduzida a um grupo muito pequeno, que originou todos esses bilhões que ora superlotam esse grãozinho de areia pairando na imensidão.
Então, como se explica que no meio de tantos, alguns apresentem este desempenho tão atípico? Serão fruto de uma mutação causada por fatores ainda não determinados e representam casos isolados, ou são pessoas que simplesmente tiveram liberada alguma parte do potencial que todos possuem em estado latente? Porque, se esta segunda hipótese for a verdadeira, então deve haver uma forma de "despertar" este potencial adormecido em todos os cérebros humanos!
Ou será que existe algum "contador" oculto, inserido nos nossos genes, que conta as gerações e que, a partir de um determinado número delas, começa a liberar mais capacidade de processamento? Uma espécie de "upgrade" automático na nossa mente? Arthur Charles Clarke abordou um assunto parecido no seu livro  de ficção-científica "O FIM DA INFÂNCIA" (Childhood's End, 1965). Mais um capítulo da evolução?
 
Existem informações sobre o relacionamento da genética com dons especiais em:
 
 
ou em:


Quase tudo o que eu falei aqui foram apenas conjeturas empíricas, mas serão impossíveis?
Com relação á minha pergunta inicial, vou substitui-la por outra: haverá mesmo um limite para o desenvolvimento da mente humana?

domingo, 19 de setembro de 2010

HISTÓRIA: O MESTRE-SALA DOS MARES

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
(Parte da letra original do samba O Mestre-Sala dos Mares, de Aldir Blanc e João Bosco. As palavras sublinhadas foram censuradas e substituídas por "feiticeiro" e "navegante",  para não fazerem menção à marinha. )

Em 1910, a marinha brasileira estava passando por um amplo programa de reequipamento. Por ocasião da sua conclusão, a esquadra brasileira se tornaria uma das mais poderosas do mundo. No decorrer daquele ano, estaleiros inglêses entregaram dois poderosos encouraçados, o São Paulo e o Minas Geraes, armados cada um com 12 canhões de 305 mm, ambos dentro do conceito recém-introduzido no navio britânico HMS Dreadnought,  que mudou a aparência dos navios de guerra, a ponto de ser estabelecido como um marco: navios dreadnought ou pré-dreadnought! 
O Minas Geraes: com seus 12 canhões de 305 mm, era, juntamente com o São Paulo, um dos encouraçados mais poderosos do mundo em 1910.

Para receber estas poderosas belonaves, foram enviadas à Inglaterra duas tripulações completas. Lá, estes homens, oficiais e marinheiros, receberam treinamento para operarem os novos navios. Entre esses marinheiros, se encontrava o gaúcho João Candido Felisberto.
Nascido em 24 de junho de 1880 numa fazenda próxima ao vilarejo de Dom Feliciano, distrito de Encruzilhada (hoje Encruzilhada do Sul), João Candido era filho de ex-escravos. Aos 13 anos, foi matriculado na Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes de Porto Alegre, por indicação do capitão-de-fragata Alexandrino de Alencar. Dali, por suas boas recomendações, foi alistado na Marinha do Brasil em janeiro de 1895, sendo declarado grumete em dezembro do mesmo ano, aos 14 anos.
Em 1910, João Candido já era um timoneiro experiente e muito bem conceituado entre seus chefes e um líder para seus colegas marinheiros.
A Marinha do Brasil, apesar da atualização tecnológica, não seguia a mesma política no tratamento do seu pessoal e ainda adotava um modelo já superado pela marinha britânica e por outras marinhas, onde a disciplina era mantida com emprego de castigos físicos.
O uso da chibata (uma espécie de chicote curto) na aplicação de castigos fora oficialmente abolido pelo decreto número 3, de 16 de novembro de 1889, assinado pelo presidente Deodoro da Fonseca imediatamente após a proclamação da república.
Mesmo assim, o regulamento da marinha previa açoites com chibatas nos marinheiros faltosos. Como grande parte do efetivo era proveniente de famílias de ex-escravos, isto não causava tanta estranheza.
Porém, a viagem à Inglaterra e o contato com seus colegas ingleses, que haviam feito movimentos rebeldes em 1903 e 1906, pelo fim dos castigos físicos, abriu as mentes dos marinheiros brasileiros, que tiveram então consciência de sua verdadeira situação. E foi também lá que souberam do levante ocorrido na Rússia, a bordo do encouraçado Potemkin, em 1905.
Desta forma, durante a viagem de translado para o Brasil, já havia uma conspiração em andamento, e João Candido era o principal articulador.
João Candido (D), o "Almirante Negro", por volta de 1910. Esta foto é apresentada em alguns locais como se tivesse sido batida durante a leitura do ultimato dos rebeldes, mas o papel nas mãos de Candido na realidade é um exemplar do Diário Oficial onde foi publicado o decreto da anistia aos revoltosos.

De volta ao Brasil, João Candido conseguiu levar as reivindicações dos marinheiros até ao presidente Nilo Peçanha, com a presença do Ministro da Marinha, ninguém menos que seu benfeitor, o agora almirante Alexandrino de Alencar. Alencar também fora protagonista de uma revolução, a chamada Revolta da Armada, em 1893, quando os oficiais fizeram um movimento contra o então presidente, Mal. Floriano Peixoto.
Porém, deste encontro nada resultou de concreto, pois em 15 de novembro de 1910, Nilo Peçanha passou o governo ao Mal. Hermes da Fonseca, que vencera as eleições contra Ruy Barbosa, e era situacionista e conservador.
O poder do voto era reservado para as classes mais bem estabelecidas, e a massa dos mais pobres ficava de fora. A república daquela época era apenas uma extensão do império, onde a nobreza remanescente dele formava, juntamente com a burguesia emergente, uma casta dominante.
Com o novo presidente e um novo ministro, as reivindicações e promessas foram esquecidas e tudo continuou imutável. Em vista deste insucesso, os conspiradores marcaram para o dia 25 de novembro um levante geral dos marinheiros.
Porém, houve um fato que acabou precipitando as coisas e mudando os planos: em 21 de novembro, a bordo do encouraçado Minas Geraes, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi denunciado por um cabo por ter trazido cachaça para bordo, e em represália, o agrediu com uma navalha, ferindo-o. Por isto, foi sentenciado a receber 250 chibatadas (no próprio regulamento, o previsto para faltas graves eram 25!). Durante o castigo, em presença da tropa formada e ao som de tambores, Marcelino perdeu os sentidos, mas nem assim o açoite foi interrompido. A indignação causada por este excesso fez com que o movimento fosse antecipado para o dia seguinte.
Na noite do dia 22,  na baía da Guanabara, os marinheiros tomaram o comando do Minas Geraes, enquanto o comandante Batista das Neves jantava como convidado a bordo do cruzador francês Duguay-Trouin, ancorado no porto. Ao regressar ao seu navio, foi agredido pelos revoltosos, e morto a tiros e coronhadas. Destino igual tiveram outros cinco oficiais. O tenente Álvaro Alberto, mesmo ferido a baioneta, conseguiu escapar num bote e remar até ao encouraçado S. Paulo, onde avisou os oficiais do navio, que escaparam para terra.
O movimento se espalhou e os quatro navios principais, que concentravam o poderio da frota, ficaram nas mãos dos revoltosos.
Na manhã do dia 23, o marinheiro Francisco Dias Martins, que tinha mais jeito com a escrita, redigiu uma carta-ultimato por ordem de João Candido.  O documento resumia as reivindicações dos revoltosos: o fim dos castigos corporais, melhora na qualidade da comida, e anistia aos revoltosos. E prosseguia dando um prazo de 12 horas para sua aceitação, caso contrário, bombardeariam a cidade do Rio de Janeiro, capital federal, com seus canhões.
As duas primeiras exigências pareciam bem justas e fáceis de serem cumpridas. Porém, quanto à anistia, havia o fato de que o motim é um dos piores crimes militares, e o comando naval dificilmente aceitaria esta condição.
E aí originou-se uma divergência, pois embora congressistas fossem favoráveis às concessões e à anistia, os chefes militares não queriam abrir mão das punições. Entretanto, os revoltosos tinham em mãos o poder real representado pelos canhões das belonaves mais poderosas da esquadra. A população acompanhava pelos jornais a queda de braço entre marujos e o governo e diversas pessoas abandonaram a cidade com suas famílias, buscando abrigo nas cidades serranas, temerosos pelo bombardeio prometido. Outras se juntaram no alto dos morros, para assistir às ações da esquadra.
A imprensa deu grande cobertura durante toda a revolta, e nas notícias destacavam a figura de João Candido, a quem chamavam “o almirante negro”, já que se encontrava de fato no comando da esquadra rebelada.
Os navios tomados pelos amotinados içaram bandeiras vermelhas e, quando dois contratorpedeiros tentaram uma ação ofensiva para torpedea-los, foram rechaçados a tiros. Disparos foram efetuados também contra o Arsenal da Marinha, na Ilha das Cobras, e contra o palácio do Catete, sede do governo federal.
Na mesma manhã, contudo, o deputado federal e capitão de mar-e-guerra José Carlos de Carvalho esteve a bordo dos encouraçados S. Paulo e Minas Geraes, iniciando as negociações.
Além desses dois navios, também o encouraçado Deodoro e o cruzador Bahia e mais quatro navios menores haviam aderido à revolta, totalizando mais de dois mil e trezentos homens em armas.
A bancada da oposição, liderada por Ruy Barbosa, se mostrava favorável às reivindicações dos revoltosos e, em 26 de novembro, o presidente Hermes da Fonseca, aceitando a escolha do congresso, optou pela concessão das exigências feitas pelos amotinados, inclusive sua anistia. Em vista disso, os rebeldes depuseram as armas e entregaram os navios.
Porém, dois dias depois, o governo aprovou um decreto que permitia a demissão sumária de qualquer integrante subalterno da marinha. Em função deste decreto, diversos marinheiros foram excluídos “ a bem da disciplina”.
Em 4 de dezembro, 4 dos principais envolvidos na rebelião, inclusive João Candido, foram presos e levados para a Fortaleza de S.José, na Ilha das Cobras, acusados de conspiração. Os protestos dos políticos da oposição foram inúteis.  Em função destas prisões, um novo movimento rebelde foi iniciado no mesmo dia, na própria fortaleza onde os amotinados estavam presos.
Mas, desta vez, a rebelião foi reprimida com extrema energia  pela Marinha, que atacou os rebeldes com os canhões da esquadra, e consta que, apesar de uma bandeira branca levantada pelos integrantes da fortaleza, o bombardeio continuou até que, de aproximadamente seiscentos homens, só restassem pouco mais de cem.
O governo decretou estado de sítio, invocando a segurança nacional e os sobreviventes foram presos nas celas da fortaleza, que não comportavam tantas pessoas. Segundo seu próprio testemunho, na véspera do natal, João Candido e mais dezessete prisioneiros foram transferidos para a cela de número 5, um buraco escavado na rocha, que acabara de ser desinfetada com cal virgem. A porta de madeira espessa tinha apenas uma estreita abertura como respiradouro. Até hoje não se sabe por qual motivo, a chave da cela não ficou com o carcereiro, mas com o comandante do Batalhão Naval, Capitão-de-Fragata Marques da Rocha, que foi passar a noite de natal no Clube Naval. Desta forma, nem o carcereiro pode socorre-los, enquanto os homens iam morrendo um a um, sufocados pelo cal. No dia seguinte, quando finalmente a porta foi aberta, só João Candido e o fuzileiro naval João Avelino ainda estavam vivos. Marques da Rocha foi absolvido no conselho de guerra instaurado para apurar o ocorrido, e mais tarde, promovido a capitão de mar-e-guerra.
Tardia homenagem: estátua de João Candido na Praça XV, no Rio de Janeiro, inaugurada em 2007. Em Porto Alegre, uma homenagem planejada foi cancelada a pedido da marinha. (Foto: Wikipédia)

Os 105 sobreviventes da revolta da Ilha das Cobras foram condenados a trabalhos forçados nos seringais do Amazonas e embarcados no navio Satélite. Os líderes da Revolta da Chibata  escaparam desta sinistra viagem, provavelmente por haver muito interesse dos políticos da oposição e da imprensa no destino que seria dado a eles. Durante a viagem, alguns prisioneiros, que tinham uma cruz vermelha ao lado do seu nome, numa listagem em poder do comandante do navio foram fuzilados e seus corpos jogados ao mar.
João Candido, apesar de "anistiado" pela revolta da chibata, foi expulso da marinha e preso sob as acusações de conspiração e de cooperação com os revoltosos da Ilha das Cobras.  Os traumas e maus tratos sofridos na prisão o haviam deixado mentalmente perturbado e ele contraíra tuberculose. Em abril de 1911, foi internado no Hospital dos Alienados, como louco e indigente. Uma avaliação realizada no hospital constatou que ele ainda estava no seu juízo perfeito, mas sob forte depressão, devido aos traumas psicológicos e físicos sofridos na prisão.
Em vista disto, alguns meses depois voltou para a prisão, para aguardar o julgamento dele e de outros dois acusados. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que prestava assistência aos negros, contratou advogados para representa-los. O julgamento dele e dos outros acusados durou dois dias até que, na madrugada do dia primeiro de dezembro de 1912, todos foram absolvidos das acusações. Apesar disso, nunca mais foram reintegrados à marinha.
Abandonado e estigmatizado, mesmo assim conseguiu se recuperar  mental e fisicamente,  tentou trabalhar na marinha mercante, mas estava marcado como "elemento perigoso" e não foi aceito. Acabou  virando pescador, mas teve problemas com o alcoolismo.
Até sua morte, em 1969, podia ser visto como um anônimo vendedor de peixe nas “pedras pisadas do cais” da Praça XV, no Rio de Janeiro.
Em 1975, Aldir Blanc e João Bosco compuseram a música “ O Mestre-Sala dos Mares”, em homenagem à João Candido. Entretanto, na época o país estava sob o regime militar e a letra foi censurada, teve que ser alterada e os termos que faziam referência à marinha foram substituídos. Como se vê, a história não o esqueceu. Nem a marinha... 

Nota: Em 23/07/2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva  sancionou a anistia póstuma a João Candido Felisberto, conforme os termos propostos em 2002 pela senadora Marina Silva.
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Leitura adicional:
Se você se interessou por este tema e quer se aprofundar  no assunto, recomendo a leitura do excelente livro A REVOLTA DA CHIBATA, da autoria do falecido jornalista Edmar Morel, em edição comemorativa dos 100 anos da revolta (Ed. Paz e Terra, 5ª Ed., 2009), organizada por Marco Morel, com prefácio de Evaristo de Moraes Filho.
Este livro, cuja primeira edição é de 1959, esteve durante longo período quase relegado ao ostracismo, embora sem nenhum ato oficial de censura, por conta de uma espécie de boicote dissimulado, que fez com que durante todo esse tempo exemplares fossem recolhidos e só existissem três reedições, separadas por diversos anos: 1963, 1979 e 1986, antes da atual.
Nesta magnífica e completa obra, a história é contada em todos os seus detalhes, inclusive por depoimentos de alguns dos seus protagonistas. Também constam diversos trechos de documentos originais da época, incluíndo citações do julgamento de João Cândido e de outros acusados e opiniões emitidas por diversas pessoas de influência, alguns ligados diretamente aos acontecimentos. Também há fotos da época e trechos de entrevistas com o próprio João Cândido, nos tempos imediatamente após a revolta e pouco antes de sua morte.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

FILME: ENIGMA DE UMA VIDA

O filme Enigma de Uma Vida (The Swimmer – 1968), da Columbia Pictures, começa numa atmosfera de sonho americano.
Tudo parece correr bem para Ned Merrill em uma bela manhã de domingo, num  elegante loteamento quase rural nos arredores de Connecticut, onde uma comunidade de classe média alta americana dos anos 60 se estabeleceu em busca de melhor qualidade de vida.
Ned (Burt Lancaster), pelo que se pode deduzir pelas cenas iniciais, é um bem sucedido homem de negócios, bonachão e jovial com seus amigos e encantador para as mulheres.
Esteve por algum tempo afastado, e ressurge nesta manhã de outono, nos fundos do quintal de um casal amigo.
Meio embriagado pelo clima favorável, conversa alegremente com os donos da casa e com outro casal amigo hospedado com eles. Seus anfitriões estão meio ressacados de uma festa na noite anterior e, no meio da conversa, Ned tem a estranha ideia de voltar para sua casa de forma inédita: nadando através das piscinas nas residências de seus vizinhos!

Capa do DVD americano: para nós, resta o download nos sites P2P.

Na medida que transcorre esta atípica viagem, as diferentes reações de seus vizinhos vão nos revelando aos poucos diversos fatos sobre  o passado de Ned, e alguns destes fatos parecem surpreender até ele próprio!
Uma das melhores interpretações do excelente Burt Lancaster, que passa todo o filme no foco da camera, vestindo apenas um short de banho.
A qualidade da direção de Frank Perry transparece nas cenas e nos diálogos, onde praticamente nada é gratuito, tudo leva à alguma conclusão.
Baseado num conto de John Cheever, originalmente publicado na revista New Yorker, foi adaptado por Eleanor Perry, esposa do diretor. Porém, Frank abandonou as filmagens antes do final e o filme só foi finalizado sob a direção de Sydney Pollack, apesar de não constar nos créditos.
O filme marcou a estréia da ninfeta Janet Landgard, que contracena numa longa sequência com Lancaster. Janice Rule teve excelente atuação como Shirley Abbot, antigo amor de Ned.
O final é impactante e eu colocaria este filme como um dos “dez mais” na categoria drama, se fizesse uma lista assim. Mas, parece não ter empolgado tanto em Hollywood, já que nem a brilhante atuação de Burt Lancaster mereceu uma indicação para o Oscar.
Eu o recomendaria à todos aqueles que apreciam o genero. Mas, infelizmente, este é um daqueles títulos que parecem vedados ao público tupiniquim,  pois está fora dos catálogos das revendedoras de DVDs. Encontra-se apenas no formato XviD (.avi) nos tão estigmatizados (pelas gravadoras) sites P2P. Agora eu pergunto: se eles acham que lhes dá tanto prejuízo o download de filmes, por que não os lançam no mercado brasileiro? É pirataria "baixar" da internet para assistir um filme que eles não querem vender?
Parece até uma emissora de TV que compra exclusividade sobre certos jogos de futebol, só para depois não transmiti-los e impedir que outros o façam.

O trailler pode ser visto em:
http://www.othyrworld.com/swimmer/

sábado, 11 de setembro de 2010

FUTEBOL: DESABAFO ALVINEGRO

A glória é fugaz, e, no futebol, ela dura às vezes menos de uma semana, mas  a consciência disto não torna os breves momentos gloriosos menos fascinantes...

Quando garoto, eu gostava de ler a revista Manchete Esportiva, que meu irmão, já no seu primeiro emprego, comprava toda a semana, com outros magazines também esportivos. Mas esta revista era a que mais me agradava, pois trazia de forma muito organizada e cheia de fotografias a rodada do campeonato carioca. E ainda tinha comentários de dois expoentes do jornalismo: o rubronegro Mario Filho e o tricolor Nelson Rodrigues.  A coluna de Nelson era “ Meu Personagem da Semana”, onde ele exaltava o jogador que, segundo ele, teria tido maior destaque na rodada.
Nesta quinta-feira, senti saudades dele. Explico abaixo porque.
Jogadores capazes de levantar estádios com suas jogadas e manter animada uma torcida a cada vez que tocam na bola, como eram Pelé, Garrincha e Maradona, que ganhavam jogos, campeonatos e até copas do mundo, não são craques, são ETs, seres de outra dimensão, que surgem como asteróides perdidos e às vezes caem na Terra!
Craques são jogadores diferenciados, acima da média, divididos em diversos estilos, mas partem de uma divisão principal entre duas categorias maiores: a primeira é a dos que impressionam pela regularidade e correção na execução dos fundamentos e no posicionamento tático e, quando surgem as dificuldades, tornam-se ainda mais brilhantes, saindo-se com criatividade de situações onde os outros se perdem. Nesta categoria temos Beckenbauer, o Kayser da máquina alemã dos anos 70, Falcão, o gênio catarinense adotado pelos gaúchos, injustiçado em 1978 e consagrado em 1982, Zidane, o franco-argelino que destruiu nossa seleção em 1998, o “Divino” Ademir da Guia, maestro palmeirense, Didi, o "folha-seca", Zizinho, Gérson, Tostão, Zico, e muitos outros, alguns dos quais só ouvi falar.
Na outra categoria, composta exclusivamente de atacantes, temos aqueles jogadores,  que são como serpentes venenosas: ficam quietinhas na maior parte do tempo, até o bote, sempre certeiro e fatal!
E aqui eu abro um parentese para explicar que sou da velha guarda e o que eu chamo de “atacante” no futebol atual é aquele jogador que no meu tempo se chamava “centroavante” (no RS, era centerforward mesmo, ainda por cima com pronúncia germânica, com o “w” soando como “v”: centerforva! ).
Os bons eram na maioria  altos e fortes, bons cabeceadores, aguentavam o tranco, eram capazes de dominar a bola mesmo sendo empurrados pelas costas, e às vezes passavam uma partida inteira sem receber uma bola “redonda”, só tentando alcançar os chutões e espirradas da sua própria defesa. Até que...acontecia o momento! Numa fração de segundo, o zagueiro adversário errava, ou não alcançava a bola, que ia para os seus pés ou para sua cabeça! Então, era uma chance única e é nesse momento que surgem as diferenças abissais entre o cabeça-de-bagre e o verdadeiro puro-sangue, o verdadeiro matador (podem achar politicamente incorreto, mas esta é a linguagem do futebol!). O zé-mané se assusta, enche o pé, geralmente de cabeça baixa, estoura a bola contra o goleiro ou manda na arquibancada.
Mas o craque sabe reconhecer o momento, a chance e o que fazer com ela! E quando todos se desesperam, se assustam e se precipitam, ele muda o ritmo do próprio tempo, para (do verbo parar, os entendidos dizem que agora não tem mais acento diferencial!) uma fração de segundo, dá um ou dois toques geniais e definitivos!  É o gol!
Pois bem, jogadores assim, eu me lembro, às vezes até irritavam a torcida, pois passavam o jogo quase sem movimentação aparente, pareciam lentos ou desligados do jogo, eram vaiados e xingados, até que de repente... pluft! Gol!
Assim eram Flávio, criado no Inter, chamado Minuano depois de ter ido para o Corínthians, Fluminense e Portugal, retornando ao Inter para ser campeão brasileiro e artilheiro do campeonato em 1975. Assim era Romário, o baixinho (!) capaz de marcar de cabeça entre os grandalhões da Suécia, em 1994! E tantos outros gols! E o aparentemente desajeitado Gerd Müller, arma letal dos alemães, que chutava até de costas para o gol! O lendário Juarez, o "Leão do Olímpico" do Grêmio Portoalegrense, um verdadeiro "panzer"!
Pois bem, felizmente, para os botafoguenses, parece que temos alguém com essas características no Botafogo:  o grandalhão  uruguaio Sebastian “Loco” Abreu!

"El Loco" Abreu recebe os abraços de Marcelo Cordeiro, Marcelo Matos e do resto da equipe após o golaço que decidiu o jogo e interrompeu a trajetória santista de cinco partidas sem derrota. (Foto: Daniel Ramalho  - Agência O Dia).

Como bom centroavante clássico, pouco fez durante os 20 minutos em que esteve em campo, no jogo contra o aclamado Santos, na quinta-feira passada. O Santos estava melhor e Jéferson salvou pelo menos dois gols, com defesas monumentais. Neimar estava endiabrado, e o Santos, no segundo tempo, colocou o anãozinho irriquieto Madson. Marcelo Matos evitou mais um gol santista, numa cruzada rasteira de Neimar.  E aos 25 minutos do segundo tempo, Joel colocou Abreu no lugar de Maicosuel. O Santos estava "vindo para cima", e ele chegou a aliviar dois escanteios, fazendo as vezes de zagueiro. Mas, em um levantamento sobre a área, mostrou as garras, e a cabeçada decaiu raspando a trave do assustado goleiro do Santos. Até que, quando tudo parecia já terminado, aconteceu: aos 45 minutos, outra bola alta  caiu na cabeça de Edno, ele tocou para o meio da área, e a  “pelota” caiu nos pés do uruguaio. O goleiro, desesperado, jogou-se na frente, para levar a bolada, mas...a bolada não veio! Ao invés disto, um leve toque embaixo da bola fez com que ela subisse em curva apenas uns dois palmos, o suficiente para deixar o aturdido guardião da meta santista completamente fora da jogada. No final da curva, a bola tinha um encontro marcado com a chuteira do craque, que então sim, fuzilou para as redes, apesar do desespero do zagueiro que tentava defender o seu arco. Naquela fração de segundo, tudo o que foi feito durante a partida desapareceu. Pedaladas, dribles, jogadas de efeito, tudo se perdeu nas entrelinhas! O resultado do jogo estava cruelmente selado!
Se eu fosse Nelson Rodrigues (que pretensão!), diria que "El Loco" Abreu seria o meu personagem da (ou do meio da?) semana!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

RECORDANDO: UM MUNDO DIFERENTE

Porto Alegre - 1950: Um mundo diferente, onde  o tempo se arrastava com preguiça, e as mudanças custavam a chegar. É desta época que recordo as minhas primeiras  noções do ambiente que me cercava.
O mundo que estava ao meu alcance não era muito vasto, terminava nas cercas do meu quintal, mas me permitiu as primeiras interações com este planeta. Naquelas tardes de verão tão silenciosas, eu ficava observando as formigas do meu quintal, na sua intensa e variada atividade, e imaginava se subindo no poste de ferro que havia na calçada eu poderia avistar o tal Rio de Janeiro de que tanto falavam. De vez em quando, um DC-3 passava bem sobre a minha casa, trem de pouso embaixo, a caminho da cabeceira do aeroporto. E eu o acompanhava com os olhos até que ele saisse da minha vista.
As notícias chegavam durante o dia pelo rádio, nas edições do Repórter Esso,  onde, após uma musiquinha característica, entrava um locutor de voz exaltada, fazendo parecer que só falava sobre coisas urgentes. E eu ficava brincando e sonhando, até sentir o cheiro familiar do café da tarde e dos bolinhos de chuva que minha mãe fazia às vezes para acompanhar. Mas, em lugar dos bolinhos, cabia até uma boa fatia de pão d'água (hoje chamam francês) com schmier de uva, morango ou goiaba.

O presente que eu nunca ganhei: o Poliopticon, da DF Vasconcelos, era um kit que permitia montar microscópio, luneta e binóculos.

E à noite, meu pai chegava do trabalho trazendo o exemplar diário da Folha da Tarde, o seu tablóide vespertino preferido. Ele sentava num canto da cozinha e então lia para minha mãe as principais notícias do dia, enquanto ela preparava o jantar, que era servido habitualmente  lá pelas 20:30. Meu pai era o nosso "ancora"  particular, comentarista e analista, num telejornal ao vivo, a cores e em 3D! E a cozinha era seu estúdio. Se fosse no inverno, era o melhor lugar da casa, o único aquecido.
Naquela época não existiam:
Aerosol
Aparelhos transistorizados
Astronautas (a não ser nas histórias em quadrinhos)
Calculadoras eletrônicas
Canetas esferográficas
Carros nacionais
Cartões magnéticos
Copiadoras Xerox
Fitas cassete (Ainda existem?)
CDs e DVDs
Garrafas de plástico
Jatos de transporte
Ligações DDD-DDI  (Até o  telefone era um aparelho raro).
Microcomputadores : Os raros computadores existentes no mundo necessitavam um prédio inteiro para conter seus componentes e eram chamados de cérebros eletrônicos, mas eram conhecidos por poucos. Só alguns anos mais tarde começaram a aparecer com o nome de computadores, mas nas histórias em quadrinhos de terror (era em tais revistas que apareciam as histórias de ficção científica, denominação ainda inexistente).
Relógios eletrônicos
Rock and Roll
Satélites artificiais
Som estéreo
Tecnologia laser
Televisão
Transplantes de órgãos

Naquela época...
A coisa mais parecida com um aerosol que havia era a chamada “máquina de flit”, uma bomba manual de êmbolo que ejetava um fino jato de insecticida (a marca mais popular era Flit, daí o nome. Depois surgiu a marca Detefon).
Os rádios, única tecnologia eletrônica que havia no lar (não em todos) utilizavam válvulas, pois ainda não havia semicondutores na vida das pessoas comuns. A gente ligava e aguardava um tempo até as válvulas acenderem, aquecerem e então o aparelho começava a falar.

Sonho de consumo dos jovens: uma "Rádio-Victrola" de mesa com toca-discos automático de 78 rpm já daria para animar as reuniões-dançantes no fim de semana, depois de arredar os móveis da sala.

Para se fazer uma ligação para outra cidade, quem não tinha telefone próprio (a maioria, pois o número de linha instaladas era muito baixo) tinha que ir até uma central telefônica e aguardar até ser chamado para uma das cabines, onde recebia a conexão já feita.
Depois, pagava uma boa grana pela ligação.
Nada havia saído da Terra e permanecido no espaço. Astronautas, só Flash Gordon e Buck Rogers. Falava-se na possibilidade de viajar à Lua e em colocar um satélite artificial em órbita, mas eu me perguntava para que.

 Viagem à Lua? Só em anúncio de relógio...

As únicas calculadoras eram grandes e pesadas, dotadas de manivelas, usadas pelas casas comerciais mais bem estabelecidas, e mostravam o resultado em um mostrador tipo odômetro. Algumas eram ainda maiores e elétricas, e imprimiam os passos da operação em uma fita de papel. O bodegueiro árabe da venda da esquina fazia as contas em um papel de embrulho, com um lápis de traço grosso.

Canetas-tinteiro como a Esterbrook e a famosa Parker 51 eram o que havia de melhor no ramo da escrita, mas não estavam ao alcance de qualquer um.

As crianças em geral usavam lápis na escola. Só em casa as anotações eram passadas a limpo, com a caneta-tinteiro do pai, se não tivesse a sua própria (como era o meu caso). As canetas-tinteiro levadas para a escola, geralmente por ocasião das provas, eram uma constante fonte de problemas, como vazamentos, entupimentos, dedos e cadernos manchados, falta de tinta e guerras de esguichos (com consequências fatais para os uniformes escolares). Se fossem levadas em aviões, ou mesmo em viagens terrestres para locais serranos, o vazamento era certo, devido às variações da pressão atmosférica.
Os carros eram privilégio de poucos e eram todos importados: Chevrolets, Fords, Buicks, Cadillacs e Pontiacs para os mais ricos e Studebakers, Austins, Prefects e Citroens para os menos dotados. O contraste entre aqueles e os últimos era gritante. Os Citroens e Austins pretos não eram muito fascinantes, mas eram a única opção possível para muita gente.


Os Austin ingleses, sempre pretos (como a maioria dos carros) não eram muito atraentes. Já o Ford 49 era o meu preferido. Lindo!
Os cartões magnéticos de crédito ou bancários, nem nos filmes de ficção científica eram previstos.
As únicas cópias eram as chamadas popularmente de fotocópias (oficialmente cópias heliográficas), caras, de baixa qualidade, pouco difundidas e de pouca aceitação. Geralmente, tirava-se a segunda via dos documentos em cartórios.
Os gravadores de fitas eram aparelhos praticamente profissionais. Só no final da década surgiram os aparelhos populares, assim mesmo raros e importados.
A televisão só chegou nos pampas em dezembro de 1959, quando começaram as transmissões da TV Piratini, dos Diários Associados. E a programação diária só começava lá pelas 4 ou 5 horas da tarde!
O plástico, frágil e rígido, só era mesmo usado em brinquedos, e era chamado "matéria plástica".
Os jatos de transporte só surgiram no Brasil no final da década de 50, quando a VARIG adquiriu os Caravelle franceses e mais tarde, os primeiros Boeing 707.

PANAIR e VARIG, além da REAL AEROVIAS, disputavam passageiros para os seus luxuosos Lockheed Constellation. Depois, a VARIG pularia na frente, trazendo o jato francês Caravelle.

Um dia, entrei nas páginas de um gibi, peguei uma máquina do tempo e regulei o mostrador para o ano 2010! Ih! Será que ainda ia ter mundo? Diziam que o mundo já acabou uma vez em água, com o dilúvio, e que agora, iria acabar em fogo, e o ano fatídico seria 1999! Será que eu iria encontrar ainda alguma coisa, depois do Juízo Final?
Que nada! A máquina não era das melhores, viagem foi meio demorada, durou mais de 50 anos, mas cheguei e... quanta coisa diferente! Todos tem telefone, até mesmo portátil,  e como são pequeninhos! Tem tantos carros como eu nunca vi, nem cabem nas ruas! Assim não vale! Eu queria ter carro era em 1950, quando as ruas eram vazias, só para os sortudos que tinham carro! E estas máquinas de escrever com tela de TV, onde aparecem maravilhas! A gente pode até falar e ver com quem está falando, ou fazer compras sem sair de casa! Isto nem eu imaginava! Não precisa mais cortar lenha para por no fogão e fazer o almoço! E tem até comida já pronta no supermercado!
Em termos de sonhos alguma decepção! Ainda nem chegamos a Marte! Não tem naves viajando para todos os planetas, nem robôs inteligentes trabalhando nas casas e falando com a gente! Ainda não fazem teletransporte! Ainda não acabamos com as guerras!
Em termos de conforto, a vida de hoje nos oferece muito mais. Em compensação (como diz o JCL, não tem almoço grátis) nunca vi tanta gente estressada, nem tanta devastação na natureza! O espaço em torno da Terra está atulhado de lixo espacial! As calotas polares são cada vez menores, para desespero dos pobres ursos! Tem uma área do Oceano Pacífico à oeste do Havaí que se transformou no maior lixão aquático do mundo, uma tristeza!
E agora? Voltando ao passado não dá para tentar mudar o curso dos eventos, pois todas as vezes que eu vi tentarem isso nos livros e filmes, o tiro saiu pela culatra!
Talvez, se eu der um pulo até 2130...
Amigos, acho que este blog vai dar um tempo...Abraços!

(Todas as figuras apresentadas nesta matéria foram digitalizadas pelo autor,  a partir de anúncios publicados em exemplares da revista Seleções do Reader's Digest de sua coleção particular.)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

FILME: AS PONTES DE TOKO-RI

Apenas mais um filme de propaganda da Guerra Fria ou um sutil filme-panfleto antibelicista?

Quem viveu nos anos que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial viu um mundo polarizado entre o comunismo da União Soviética e da China e o capitalismo dos EUA. A terceira guerra mundial parecia iminente e os filmes de Hollywood frequentemente eram usados a serviço da propaganda anticomunista.
Durante este período, os estúdios de Hollywood produziram uma série de filmes ditos “de Guerra Fria”, cujo conteúdo era clara propaganda, destinada a demonstrar quem estava certo na questão, enaltecendo o heroísmo e a abnegação dos militares dos EUA e o modo de vida americano, em oposição à rudeza dos métodos do regime comunista. Comandos do Ar (Strategic Air Command - 1955), Voando Para o Além (The McConnel Story - 1955), Estradas do Inferno (Jet Pilot - 1956), Sob o Domínio do Mal (Manchurian Candidate – 1962), Águias em Alerta (A Gathering of Eagles – 1963), Estação Polar Zebra (Ice Station Zebra – 1968),  foram alguns desses filmes (entre muitos outros), alguns com histórias às vezes até razoáveis, apesar de tendenciosas.
As Pontes de Toko-Ri (The Bridges at Toko-Ri - 1953), da Paramount, um dos meus  filmes preferidos, é ambientado na Guerra da Coréia, e se baseia no livro homônimo de James A. Michener (1907-1997), autor de várias obras de ficção e não ficção, algumas inspiradas nas suas viagens como correspondente de guerra na Marinha dos EUA, durante a II Guerra Mundial e na Guerra da Coréia.
No filme, como no livro, existe um cuidado em reproduzir o ambiente autêntico de um porta-aviões em operações, bem como os dramas e comédias pessoais que se passam com seus tripulantes.
Nancy (Grace Kelly) e Harry Brubaker (William Holden): a guerra atrapalhando uma vida familiar que parecia perfeita.

O personagem central da trama é Harry Brubaker (William Holden), Capitão-Tenente, aviador naval da marinha americana. Veterano da campanha do Pacífico na II Guerra, após o fim do conflito, foi desmobilizado, concluiu seus estudos e passou a exercer a advocacia, em Denver, no Colorado. Casou-se com Nancy (Grace Kelly), a linda filha de um senador e tiveram duas filhas. Porém, com a explosão do conflito na Coréia, os EUA interviram e ele foi reconvocado compulsoriamente para pilotar caças-bombardeiros navais, embarcado no fictício porta-aviões Savo.
Apesar de contrariado, Brubaker cumpre com bastante competência suas funções de piloto, e é visto com simpatia pelo comandante da força-tarefa, Contra-Almirante Tarrant (Frederich March), que vê nele as mesmas qualidades de seu próprio filho George, morto na Batalha de Midway, na II Guerra.

O CtAlm. Tarrant (March) questiona o Cap. Brubaker (Holden), que deixa bem claro que não está ali voluntariamente.

Mickey Rooney é o problemático piloto de helicópteros de resgate Mike Forney, que tem o crédito de ter recolhido diversos pilotos acidentados das águas geladas do Pacífico, inclusive o próprio Brubaker. Porém, é um sujeitinho esquentado e difícil, que só vive se metendo em confusões por causa de suas namoradas orientais. Só pilota usando um cachecol e uma cartola, ambos verdes, o que preocupa seu tripulante Nestor, (Earl Holliman) um grandalhão leal e tranquilo.
O problema que envolve a todos é: mais cedo ou mais tarde, a marinha deverá enviar seus aviões para atacar quatro pontes paralelas situadas no estreito desfiladeiro de Toko-Ri, espremido entre montanhas, uma rota vital para o fluxo de suprimentos das forças comunistas da Coréia do Norte. Para defende-las, os comunistas transformaram o desfiladeiro numa verdadeira galeria de tiro,  utilizando canhões antiaéreos de todos os calibres. O Contra-Almirante Tarrant acredita (ou tenta fazer seus subordinados acreditarem) que a destruição desta via de transporte abalaria a moral do inimigo a ponto de leva-lo para a mesa de negociações.
E é esta questão que coloca o filme entre a propaganda patriótica e o panfleto antibelicista. Nas guerras modernas, sempre surgem os tais “objetivos decisivos”, que, se alcançados, definiriam a sorte do conflito. Tudo isto para justificar a exigência do esforço máximo e a aceitação do sacrifício em troca de um suposto “bem de todos”. Porém, estudando a história dos conflitos do século passado, constatamos que a maioria destes objetivos, mesmo alcançados, geralmente não decidem absolutamente nada! (*)
E depois, quando finalmente vemos o preço cobrado, na forma do sacrifício de pessoas retiradas de suas atividades civis para serem descartadas nas chamas da guerra, e suas família enlutadas, podemos questionar: valeu mesmo a pena?
Perguntem à Sra. Brubaker e suas filhas, ou melhor, às famílias dos mais de 36.500 militares perdidos pelos EUA na Coréia. Excluindo-se a política internacional, o que mudaria no dia-a-dia dos americanos se os EUA tivessem aberto mão do envolvimento no conflito coreano?
Talvez a única diferença fosse que a maioria dos americanos nem sequer teria idéia da existência das duas Coréias.
O personagem Brubaker não foge à luta. Mas, numa conversa com o Contra-Almirante, demonstra seu descontentamento com a reconvocação, e confessa ter tido a tentação de simular uma doença para não ser enviado ao combate. Fica bem claro que ele não acredita nos motivos daquela guerra. 
Mas, como o bom cabrito que não berra, ele domina seus temores e finalmente se vê confrontado com o desafio de sua vida: as pontes de Toko-Ri!

Onde conseguimos homens assim? Decolam deste navio e cumprem sua missão...Depois, têm de encontrar este pontinho perdido no meio do mar...Quando encontram, tem que pousar numa pista que balança...Onde conseguimos homens assim?

A crueza das cenas finais, assim como o fato de sabermos que as baixas dos EUA nesta guerra foram mais de 146.000, entre mortos, feridos e capturados, parecem definir este filme de forma mais clara, pois se alguém desavisado pode ve-lo como propaganda, uma observação mais atenta vai encontrar pistas claras de uma denúncia sobre a forma como pessoas boas e honestas são lançadas na fogueira, para atender a objetivos político-ideológicos.
Essas pessoas abnegadas é que são enaltecidas no filme, não as causas que as levaram à estas situações extremas.
Harry Brubaker encara seu destino sem nunca acreditar nas supostas justificativas para a guerra, mas digno, desiludido e resignado diante do inevitável.

Elenco principal:
William Holden     (Harry Brubaker) – Carrancudo e invocado como sempre. Seu personagem tem a mesma postura descrente do Sgto. Sefton, de Inferno 17 e do pracinha  Shears, de A Ponte do Rio Kwai.
Grace Kelly     (Nancy Brubaker) – Linda como nunca.
Frederich March    (Contra-Alm. George Tarrant) – Perfeito. Dá um tique de prestar continência para a tela!
Mickey Rooney    (Mike Forney) – O baixinho encrenqueiro de sempre!
Earl Holliman    (Nestor Gamidge) – Bom no papel de um grandalhão corajoso mas não muito esperto. Voltaria como o cozinheiro de uma nave espacial em O Planeta Proibido(1956).


Sobre os Navios e Aviões:

O livro de Michener se inspirou em missões reais voadas por pilotos da VF-172, a bordo do porta-aviões Essex, onde o autor serviu como correspondente de guerra, durante o conflito da Coréia.
O filme, dirigido por Mark Robson, foi rodado no porta-aviões Oriskany (CV34). No livro, a aeronave voada por Brubaker e seus colegas era o caça-bombardeiro Douglas F2H Banshee. Porém, no filme, preferiram mostrar o então recém-chegado Grumman F9F-2 Panther. Em algumas cenas, pode-se ver no mesmo convés, diversos F2H Banshees, que estavam sendo substituídos gradativamente pelos Panthers. Um dos pilotos que voaram nas cenas do filme foi o então tenente Alan B. Shepard Jr., futuro astronauta.

Sobre o Roteiro:
As pontes parecem ser uma referência às pontes que cruzavam o rio Yalu, potenciais alvos dos ataques aéreos americanos e prioridade de defesa para os caças MiG-15 soviéticos. Durante a guerra, apenas uma delas não foi destruída por bombardeios.
Entretanto, há uma coisa que me causou estranheza, numa produção tão bem cuidada: será que um Contra-Almirante, comandante de uma força-tarefa empenhada em uma guerra real falaria com a esposa de um de seus pilotos sobre um dos próximos alvos selecionados? Foi o que fez Tarrant, comentando com Nancy sobre a missão que aguardava Brubaker! Acho que nesta, o roteiro viajou na maionese (não me lembro se Michener também, pois li o livro quando era criança).
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(*)Nota explicativa
Durante a II Guerra, a aviação americana perdeu aproximadamente 150 aviões e uns 1.400 tripulantes em dois ataques aéreos, numa tentativa de destruir as indústrias alemãs de rolamentos, concentradas na cidade de  Schweinfurt, pois segundo os serviços aliados de inteligência, isto paralisaria a produção alemã de aviões de combate. Na realidade, o insucesso foi completo: além do massacre e de não haverem destruído nem 20% dos alvos, mais tarde foi apurado que, mesmo que as fábricas fossem totalmente paralisadas, já havia estoques de reserva dispersos em quantidade suficiente para muito tempo, até que fossem novamente reconstruídas.
Outro objetivo "decisivo" nesta mesma guerra foi a ilha de Pennemünde, onde estavam situados os centros de pesquisa, desenvolvimento e produção das bombas voadoras V-1 e V-2. O arrasador bombardeio desferido pela RAF com mais de 300 aviões na noite de 15 de agôsto de 1943 não impediu que, meses mais tarde, Londres assistisse impotente à destruição causada pelos mísseis alemães. E esses, por sua vez, também não conseguiram mudar o rumo da guerra.
Os rumos de uma guerra às vezes são decididos por coisas mais sutis e gradativas, como decisões políticas cujos efeitos aparecem diluídos ao longo de períodos mais extensos.
A própria bomba atômica não foi decisiva, pois serviu apenas como golpe de misericórdia contra um Japão que já estava de joelhos.
Mas, permanece o velho hábito militar de fixar metas inatingíveis e tentar convencer os subordinados da importância de alcança-las a qualquer custo.

sábado, 4 de setembro de 2010

RECORDANDO: MARY QUANT

Os jovens da época atual não podem nem imaginar o quanto era difícil antes da década de 1960 ver um joelho feminino fora de uma praia. Que dizer então de quem morava em uma cidade sem praia? As saias tinham uma certa semelhança com as vestimentas dos amish, quando muito subiam até ao meio da canela.


Mary exibe sua criação. Além de expor as perninhas finas das inglesas como as desta foto, a moda foi logo bem aceita no Brasil, exibindo pernas bem mais...encorpadas !

E então, chegou Mary Quant, a fada-madrinha. Estudante de belas-artes em Londres, a avançada inglesinha, em 1955, abriu sua própria loja, a Bazaar, na famosa King's Road, em Londres. Insatisfeita com as roupas que recebia das confecções, Mary resolveu criar seus próprios modelitos e revolucionou a moda inglesa, aplicando seu design inspirado. Suas criações foram um sucesso e em 1960, ela lançou a maior delas: a minissaia.
Até então, as roupas femininas desciam até abaixo do joelho! Minissaias  naquela época, só as das heroínas dos quadrinhos de ficção-científica. Sua ousadia deu certo e suas criações ultrapassaram os limites de Londres e da Inglaterra! E Mary Quant ganhou as páginas das principais revistas do mundo todo, e não só as de moda!
Hoje, seu nome virou "griffe" internacional de cosméticos.
Em 1966, mesmo ano em que lançou sua autobiografia, “Quant by Quant”, Mary recebeu das mãos da rainha Elizabeth II a Ordem do Império Britânico, em cerimônia celebrada no Palácio de Buckingham. E ela compareceu vestindo a peça que marcou sua carreira: a minissaia.
Thank you, Little Mary!