O CONFLITO COREANO
A Guerra da Coréia foi travada entre 25 de Junho de 1950 e 27 de Julho de 1953.
Uma coisa que marcou esta guerra foi o fato de, pela primeira vez, haver um confronto aéreo entre aviões a jato. Nos céus da Coréia, os dois melhores caças do mundo e alguns dos melhores pilotos da época se enfrentaram em uma dura batalha pela superioridade aérea.
Como outros entusiastas da aviação, nos anos que se seguiram à Guerra da Coréia, acompanhei a evolução dos dados sobre os históricos combates aéreos entre os aviões da ONU, na maioria americanos e ingleses, contra aeronaves da Coréia do Norte, apoiada pela União Soviética e pela China Comunista (na época da guerra, ainda havia a China Nacionalista, hoje chamada Taiwan).
A Coréia do Norte, de regime comunista, invadiu a Coréia do Sul em 25 de junho de 1950, reforçada por um grande número de tanques T-34 (cortesia da Rússia) e um pequeno mas agressivo contingente de aviões, na maioria sobras da II Guerra Mundial.
A ONU, em resposta enviou as tropas, na maioria americanas, apoiadas por uma força aérea composta de aviões americanos e ingleses.
A tréplica dos vermelhos foi o envio de uma nova e insuspeitada arma que ameaçava mudar os rumos da guerra e que chamou a atenção do mundo.
AS AERONAVES PRINCIPAIS
Foi uma grande surpresa para todo o mundo o aparecimento dos MiG-15 nos céus da Coréia. Isto porque, durante a II Guerra, a Rússia nunca apresentou uma aeronave de caça com características superiores às aeronaves ocidentais, alemãs ou aliadas, de primeira linha.
Entretanto, o pequeno caça soviético, criado com forte influência do projeto alemão para o caça a jato Focke-Wulf Ta-183, tinham desempenho superior a tudo o que havia no ar naquela época! Suas incursões começaram a varrer dos céus os B-29, F-51, F-82 e F-80 americanos, assim como os Gloster Meteor ingleses.
O pequeno e mortífero MiG-15 surpreendeu o mundo ao surgir nos céus da Coréia.(Foto: arquivos da Força Aérea Russa)
Como uma amostra do que viria a ser uma tendência no arsenal soviético no decorrer do século, o MiG-15 era uma arma defensiva, um interceptor clássico, projetado para se opor a uma ameaça específica: os grandes bombardeiros americanos! Os russos tinham assistido de camarote à destruição que as grandes formações de B-17 e B-24 tinham semeado na Alemanha, e posteriormente os arrasadores bombardeios das novas Superfortalezas B-29 sobre o Japão, culminando com o lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki. Já se sabia de novos projetos de aviões ainda mais potentes e capazes, como os B-36 e B-47.
Assim, o MiG-15 tinha todas as características de um interceptor de bombardeiros: grande velocidade (Mach 0.92) e razão de subida, teto máximo operacional de +50.800 pés (+ 16.700 m) e o pesado armamento constituído por um canhão de 37 mm e mais dois de 23 mm. Como a maioria dos interceptores, tinha também um curto raio de ação (aprox. 700 km). Era impulsionado por um motor copiado do turbojato inglês Rolls-Royce Nene, cedido aos russos após a II Guerra.
Sua aparição no conflito tinha um alvo determinado: os B-29 americanos que martelavam as forças norte-coreanas. E, depois de algumas intervenções, duas delas arrasadoras, os B-29 sumiram dos céus diurnos da Coréia, devido às pesadas perdas! Objetivo alcançado!
Os americanos reagiram lançando no conflito os caças Republic F-84 Thunderjet, que também não eram páreo para os MiGs, e finalmente, o que tinham de melhor: os caças F-86.
O F-86 chegou à Coréia como resposta ao MiG-15. Aqui vemos um exemplar que sobreviveu à guerra, fotografado em Albrook AFB, Canal Zone (atual Panamá), em 1967. (Foto: arquivo do autor)
O North American F-86A Sabre tinha desempenho semelhante ao MiG-15, perdia para o russo em teto máximo (45.600 pés = 15.000 m) e em razão de subida, e também no poder de fogo, mas era capaz de mergulhar em velocidade maior (Mach 0.97) do que seu oponente, sem perda de controle, era mais estável nas manobras e tinha aviônicos mais avançados, inclusive o visor de tiro, dotado de um radar de curto alcance. Posteriormente, começaram a chegar os F-86E, que tinham melhoramentos como os estabilizadores traseiros inteiramente móveis, funcionando em conjunto com os profundores.
O F-86 vinha do mesmo fabricante do famoso P-51 Mustang, e a USAF adotou nesta aeronave o mesmo armamento do caça da II Guerra: seis metralhadoras .50 (12,7 mm). No teatro de guerra europeu, os americanos estiveram sempre na ofensiva, geralmente só enfrentavam caças alemães e este poder de fogo parecia bem adequado.
Mas, segundo relatou um piloto americano veterano da Coréia, na série DOGFIGHT, do History Channel, em diversas ocasiões ele e seus colegas viram seus tiros atingirem em cheio os MiGs, que, mesmo avariados, conseguiam se evadir do combate. Isto deve incluir alguns aviões dados como “abatidos”. Quando, porém, eles próprios eram atingidos pelos MiGs, o resultado era quase sempre fatal, pois os danos causados pelos canhões de 23 mm e principalmente pelo de 37 mm eram pesados demais para uma aeronave de caça.
OS PILOTOS
Mas, que espécie de homens estavam na carlinga dos temíveis MiGs?
Bem, segundo as informações divulgadas depois do fim da “cortina de ferro”, havia três tipos distintos de pilotos:
Os norte-coreanos, os chineses e...os russos!
Agora, ambos os lados finalmente já não negam que houve combate direto entre pilotos americanos e russos durante o conflito coreano.
Os norte-coreanos e chineses eram jovens pilotos militares, que foram enviados para treinamento na Rússia, com a finalidade específica de pilotarem os MiGs. Inexperientes, sua participação na guerra foi discreta, sendo contra eles que os americanos obtiveram o maior número de vitórias.
Alguns MiGs caíram em combate sem sequer terem sido atingidos, apenas pela perda do controle, entrando em parafusos que terminavam no solo, numa bola de fogo. Hoje sabemos que havia mais uma deficiência que afetava os pilotos dos MiGs: eles não usavam os trajes anti-G, que evitam o blackout em manobras de alto esforço, pressionando a parte inferior do corpo para evitar que o sangue fuja do cérebro. As vezes, algum piloto que forçava demais uma manobra podia literalmente "apagar" e acordar enterrado no solo!
Para pilotar os seus valiosos F-86, os americanos enviaram uma mescla de ases e veteranos da II Guerra, secundados por pilotos já formados na era do jato.
Porém, uma surpresa aguardava os americanos, quando perceberam que havia pilotos de MiGs com inusitada habilidade, verdadeiros ases, ossos duros de roer!
OS HONCHOS
Os russos chegaram a princípio em novembro de 1950, com o 64º Corpo de Aviação de Caça, mais tarde reforçado pelas 151ª e 28ª Divisões Aéreas, cada uma com dois regimentos, cada regimento composto de três esquadrões. Essas unidades eram formadas na maioria por veteranos e ases da II Guerra, comandados por ninguém menos do que o consagrado ás máximo Ivan Kozhedub, agraciado três vezes com a medalha de “Herói da União Soviética”, com 62 vitórias na II Guerra. Porém, o grande ás russo apenas comandava, impedido por ordens superiores de voar em missões de combate.
Os americanos sabiam distinguir perfeitamente quando estavam enfrentando esses pilotos diferenciados, e os chamavam de “honchos”, palavra em japonês para “chefão” ou “figurão”. Logo, os serviços de informações confirmaram suas suspeitas, e eles ficaram sabendo que enfrentavam russos. Contudo, oficialmente ambos os lados negavam o envolvimento russo. A cumplicidade do governo americano era por temer que extremistas exigissem uma retaliação mais enérgica contra a União Soviética, provocando uma guerra total.
Os honchos são um capítulo à parte no conflito coreano. Segundo o relato de Alexandr Pavlovich Smortzkow, que comandou o 18º regimento, eles eram voluntários, e tinham direito a uma remuneração especial por esta missão, além de prêmios extra por aeronave abatida. A princípio, tiveram que aprender termos técnicos-operacionais em coreano, e receberam ordens de só usarem esta língua para se comunicarem em voo. Mas, consta que, com a chegada das Divisões aéreas 151ª e 28ª, os comandantes destas unidades, de forma inusitada, protestaram contra esta ordem, se recusando mesmo a cumpri-la. E foram apoiados pelo seu prestigiado comandante geral Kozhedub, o que fez com que seus superiores recuassem, e os pilotos passaram a falar abertamente em russo. Deviam evitar a todo o custo serem abatidos sobre o mar ou sobre território inimigo, onde poderiam ser capturados. Veteranos americanos falam de pelo menos um piloto russo metralhado por seus próprios aviões, após cair no mar.
Confirmado! Neste quadro extraído de um filme da camera de um F-86, pode-se ver a ejeção do piloto de um MiG abatido. Alguns desse filmes sumiram dos arquivos, talvez por mostrarem engajamentos feitos sobre a Coréia do Norte ou Manchúria, além dos limites impostos pela ONU. (Foto: National Archives & Records Administration - EUA)
Eles também tinham ordens de, caso estivessem em desvantagem nas ações, se refugiarem do outro lado do Rio Yalu, cruzando a fronteira, fechada aos aviões americanos pelas regras de engajamento da ONU. Mas, havia um setor próximo a esta fronteira onde eles costumavam patrulhar, cruzando o rio Yalu e invadindo o território sul-coreano. Os americanos chamavam este local de MiG Alley, algo como “beco dos MiGs”, pois sempre topavam com eles por ali. Veteranos contam que eram frequentes as incursões de caças americanos para além do paralelo 38, limite imposto pelos tratados da ONU.
Por volta de abril de 1953, os honchos sumiram como por encanto, e os americanos começaram a varrer como nunca os MiGs dos céus coreanos. Em julho do mesmo ano, a guerra terminou com a assinatura de um armistício.
ASES EM CONFRONTO
Desde a I Guerra Mundial, é considerado “ás” o piloto que abate em voo 5 aeronaves inimigas.
As fileiras soviéticas na Coréia contaram com 51 ases, porém, as vitórias soviéticas incluem aviões abatidos por mais de um piloto, agindo em cooperação. Desta forma, se dois abatiam o mesmo avião, contava mais um para ambos.
O maior ás russo seria Nikolai Vasilievich Sutyagin, com 21 vitórias (9 F-86), mais duas divididas com seu ala. Isto o torna o maior ás da guerra, pois o "top ace" americano Joseph McConnel Jr., somou "apenas" 16 vitórias!
Ases "honchos": Sutyagin (E) foi o maior ás da guerra com 21 vitórias. Seu camarada Pepelyaev (D) vem logo atrás, com 19. Existem relatos de que Pepelyaev teria ainda repassado 4 vitórias ao seu ala.(Fotos: arquivos da Força Aérea Russa)
Os arquivos da USAF mostram 40 ases na Coréia.
O cruzamento dos dados soviéticos com os arquivos da USAF permitem que se identifique até os pilotos envolvidos em determinados confrontos.
Pode-se saber, por exemplo, que em 2 de outubro de 1951, o ás soviético Lev Kirilovich Shchukin (17 vitórias), ao socorrer seu camarada Morozov, atingiu ninguém menos que o também ás americano Francis Gabreski (28 vitórias, maior escore da USAF na Europa, na II Guerra, + 6,5 na Coréia). Isto não foi contado como vitória, pois ninguém viu o avião cair, mas o F-86 de Gabreski abandonou o combate soltando fumaça e, após um pouso de emergência em sua base, foi jogado na sucata, sériamente danificado pelos pesados canhões do MiG.
Não só os F-86 abateram MiGs dos honchos na Coréia. Em 18 de novembro de 1952, três jatos Grumman F9F-2 Panther da VF-781, baseados no porta-aviões USS Oriskany, foram atacados por 7 ou 8 MiG-15 a 26.000 pés sobre Hoeriyong. Os russos vinham de Vladivostok, a 90 milhas de distância. No combate que se seguiu, os americanos alegaram que 5 MiGs foram abatidos ou danificados pelos Panther. A camera de bordo do Ten. Elmer R. Williams confirmou o abate de pelo menos um dos caças soviéticos, atingido pelos canhões de 20 mm do seu caça naval. Um dos pilotos russos se ejetou e pereceu nas águas geladas.
Joseph Mc Connel Jr.(E) foi o "Top Ace" americano, com 16 vitórias. Na sua cola ficou James Jabara(D), filho de libaneses, com 15. Todas essas vitórias foram sobre caças MiG-15. E, assim como no caso dos ases russos, algumas são contestadas.(Fotos: USAF e LIFE Magazine)
Apesar de existirem diversas listagens de ases, com números e critérios diferentes, parece não haver dúvidas quanto ao fato do maior ás da Guerra da Coréia ter sido o russo Nikolai Vasilievich Sutyagin com 21 vitórias, secundado por seu compatriota Yevgeny Pepelyaev, com 19.
Pelos americanos, Joseph McConnel Jr. com 16 e James Jabara, com 15, foram os “top aces”.
O DISCUTÍVEL SALDO AMERICANO
Os números do saldo dos confrontos diretos entre os melhores caças de ambos os lados , que foram divulgados nos anos 50 pela USAF, chamavam a atenção: a vantagem americana seria na fantástica razão de mais de 14 por 1!
Isto significava que para cada North American F-86 Sabre perdido em confronto direto, haviam sido abatidos 14 Mikoyan-Gurevich MiG-15!
Os comunistas nunca aceitaram esses dados, e com o passar do tempo, aquela razão inicial foi caindo significativamente.
OS DISCUTÍVEIS NÚMEROS RUSSOS
Os números alegados pelos russos também são discutíveis: eles declararam haver destruído 1.300 aviões das Nações Unidas, sendo 650 F-86, com a perda de 110 dos seus. Os registros da ONU não acusam tais perdas, no período em que os honchos atuaram na Coréia.
Segundo matéria publicada em agosto de 1999 na revista VFW Magazine, a participação dos russos foi maior do que se imaginou a princípio: os russos teriam cumprido 75% das missões aéreas de apoio aos norte-coreanos. E, de acordo com o Dr. Mark O'Neil, no documentário KOREA: STALIN'S SECRET AIR WAR, produzido pelo History Channel, “Desde 1º de novembro de 1950 até o outono de 1951, foi uma guerra soviética – não haviam outros pilotos envolvidos”.
O CONFUSO BALANÇO QUE NUNCA BATE
Por várias vezes, eu tentei apurar os números verdadeiros do conflito, mas desisti sem obter sucesso. Eu gostaria de saber realmente como foi o confronto entre os MiG-15 pilotados pelos honchos e os F-86 americanos.
Sem dúvida alguma, ambos os lados reportaram número maior de vitórias do que as perdas confirmadas pelos adversários. Muitas dessas alegações foram de boa-fé, quando pilotos julgaram ter abatido um avião que parecia já liquidado, mas que conseguiu regressar à sua base. Algumas vitórias alegadas pelos russos foram contestadas pelos americanos, que atribuiram a perda das aeronaves ao fogo antiaéreo. Também no caso de aeronaves danificadas em combate que cairam ao pousar na sua base, os americanos atribuiram as perdas à "acidentes".
Os americanos alegaram inicialmente haver abatido incríveis 792 MiGs e perdido apenas 58 F-86 em combate. Nesta conta entrariam aviões pilotados por russos, chineses e norte-coreanos.
Mas, as perdas norte-coreanas e chinesas não podem ser pesquisadas.
Pesquisas mais recentes apontam 379 MiGs abatidos pela USAF, com a perda de 224 F-86.
(Lembramos que esta análise trata apenas do confronto direto entre MiG-15 e F-86. Os MiGs abateram também diversos outros tipos de aviões, como F-80, F-84 e B-29.)
Para o historiador americano Jon Halliday, que pesquisou o assunto, todas as baixas de pilotos de F-86 em combate foram causadas pelos Honchos.
Para o historiador americano Jon Halliday, que pesquisou o assunto, todas as baixas de pilotos de F-86 em combate foram causadas pelos Honchos.
Os números atualizados (mas, nunca definitivos) indicam que os americanos teriam ao todo uma vantagem de 1,7:1 no confronto com os MiGs em geral e 1,3:1 especificamente contra os honchos.
Porém, sejam quais forem os números verdadeiros, o resultado da guerra indica uma vantagem para os americanos. Não se pode mudar a história nem ocultar a realidade dos fatos: os honchos eram ótimos pilotos, sabiam utilizar muito bem as vantagens do seu avião e atingiram seu objetivo inicial de conter os B-29, mas, acabaram saindo do front, os americanos estabeleceram a superioridade aérea e venceram a guerra, forçando os vermelhos ao armistício.