FRASE:

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"Se deres um peixe a um homem, vais alimenta-lo por um dia; se o ensinares a pescar, vais alimenta-lo a vida toda."

(Lao-Tsé, filósofo chinês do séc. IV a.c.)

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quinta-feira, 27 de março de 2014

SERÁ PRECISO UMA GUERRA?

Quando criança, eu às vezes ouvia pessoas dizerem: “Se houvesse uma guerra, dava jeito em muita coisa neste país!”
Eu ficava imaginando como uma guerra poderia melhorar alguma coisa...
A guerra só pode ser definida como uma coisa a ser evitada. Ela faz tanto mal a tanta gente, de forma injusta e inevitável, que dificilmente compensa envolver-se em uma.
Geralmente, isto só ocorre quando aceitar passivamente uma situação pode significar um destino pior que a morte para uma coletividade. Lutar para não ser escravizado é uma das situações aceitas universalmente como justificativa para uma guerra.
Mas, para cada cultura, as justificativas variam em importância relativa, de acordo com os valores locais. Houve guerras que começaram supostamente em decorrência de acontecimentos pontuais, embora tais eventos tenham sido o efeito gota d'água, transbordando um cálice já lotado até a boca.
Já houve um conflito entre duas nações centroamericanas por causa de...um jogo de futebol! Na chamada Guerra do Futebol ou Guerra das 100 horas, em 1969, El Salvador e Honduras combateram durante 4 dias num conflito que começou por causa de hostilidades entre torcedores, numa série de 3 jogos que decidiriam uma vaga para a copa de 1970! 
(El Salvador venceu o jogo decisivo, realizado no México, e se classificou.)
Finalmente, houve a intervenção da Organização dos Estados Americanos, que intermediou um cessar-fogo!
Os EUA se envolveram na Guerra do Vietnam em função dum incidente envolvendo um suposto ataque de barcos-patrulha do Vietnam do Norte contra um contratorpedeiro americano. Acontece que, anos depois, não se conseguiu encontrar uma só testemunha deste incidente, negado até pelo comandante do navio americano!
Entretanto, a guerra, em algumas nações, parece ter um efeito de amadurecimento, fazendo com que a população faça uma reordenação de valores e prioridades dentro de uma ordem mais realista, se conscientizando da verdadeira importância de cada coisa, no contexto geral.
Recentemente, um órgão de impressa de um país da Europa, criticando a realização da copa do mundo no Brasil, país cheio de problemas básicos a serem resolvidos, teria declarado que a maioria dos brasileiros se preocupa mais com futebol, espetáculos e festas como o carnaval do que com as eleições, a política, a economia, a saúde e a educação do seu país.
(Eu realmente prefiro mais assistir a um jogo de futebol do que a um debate político.)
Uma vez, enquanto eu assistia a um jogo de futebol na TV, uma pessoa comentou que odiava o futebol (e esportes em geral), e disse que isso era “coisa de país atrasado”.
Eu lhe respondi que então devia ir para um país onde as pessoas não dessem tanta importância aos esportes, e onde, ao invés de jogar ou assistir a futebol, se fazia guerrilha, explodiam carros e homens-bomba ou apedrejavam, chicoteavam e até baleavam mulheres que queriam estudar!
Falei isto num momento de irritação, mas gostar de esportes não é “coisa de país atrasado”!

Construir estádios modernos e confortáveis é aceitável, em países onde as primeiras necessidades da população já foram atendidas...

Agora, “coisa de país atrasado” é gastar dinheiro público em estádios e instalações de apoio para sediar uma copa do mundo, que será a mais cara da história, com gastos que podem alcançar 30 bilhões de reais, segundo o site R7 ESPORTES, em um país onde não se investe com seriedade na educação, onde a saúde pública é um terror, e onde a segunda maior cidade do país vive uma guerra civil, com áreas onde nem a polícia pode passar com segurança.


Cena usual no corredor de um hospital público brasileiro. Estes tiveram sorte, pois diversos pacientes ficam lá fora...

Para que 12 sedes com estádios monumentais para a competição, alguns dos quais vão sem dúvida virar elefantes brancos, com manutenção caríssima, em cidades onde a média de público em jogos é bem menor que a sua capacidade? Não vai dar para viver só de shows...
E aí, os críticos de além-mar acabam tendo razão, embora seja difícil para um brasileiro engolir!

Difícil obter bom rendimento dos alunos, com salas de aula sem nenhum conforto, sem transporte escolar e com greves de professores todos os anos, prejudicando o ensino...

Muito tem sido lembrada a figura do imperador romano Vespasiano, que iniciou a construção do coliseu de Roma, assumidamente para manter a política do “pão e circo”, dando ao povo o essencial para a subsistência e mais a diversão, para garantir o apoio das massas populares.
Da mesma forma, quem já deu aos pobres as esmolas do assistencialismo, proporciona também o circo da copa do mundo, num ano de eleições, que sem dúvida, serão influenciadas pelo sucesso (ou fracasso) da equipe brasileira na competição.
Será mesmo preciso uma guerra para que as pessoas deste país aprendam a colocar as coisas no seu devido lugar?

quinta-feira, 24 de março de 2011

HISTÓRIA: A INVENCÍVEL ARMADA DE FELIPE II

Em 1588, numa ambiciosa tentativa de converter a maior parte da Europa ao catolicismo e punir a Inglaterra pela pirataria contra suas colônias, o rei Felipe II da Espanha lançou ao mar a mais poderosa esquadra até então reunida, transportando um exército para invadir a Inglaterra.
A batalha que foi travada nas águas do Canal da Mancha decidiu o futuro da Europa e do mundo.

Antecedentes
Na segunda metade do século XVI, a Espanha governada por Felipe II era um estado político-religioso, onde a igreja católica tinha grande peso. Felipe II reinava sobre Portugal (onde consta como Felipe I), Holanda e Bélgica e sobre diversos reinos da Europa, como Córsega, Nápoles, Sardenha, Milão, Catalunha, Mayorca, Galícia, Valência, Canárias, Aragão, Castela e outros.

Felipe II queria uma Europa católica, conduzida pela Espanha.

Na Espanha e nas nações sob seu domínio, os judeus e protestantes eram perseguidos e as vezes aceitavam até serem “convertidos” ao catolicismo para não morrer nas mãos da Inquisição, uma organização religiosa de repressão que tinha plenos poderes da coroa espanhola e do Vaticano para utilizar os mais bárbaros métodos para conseguir confissões e castigar os não-convertidos, chamados hereges.
Porém, a sua grande rival no domínio dos mares e colonias do mundo, a Inglaterra, era governada por Elizabeth, rainha de orientação protestante que dava refúgio e ajudava aos seguidores desta religião por toda a Europa, notadamente na Holanda, onde havia resistência armada.
Mas a vizinha da Inglaterra, a Escócia, estava sob o reinado da prima de Elizabeth, Mary Stuart, que era católica. Mantinha estreito diálogo com a coroa espanhola e secretamente, planejava alijar Elizabeth do trono da Inglaterra e ocupar seu lugar. Haviam tratados secretos estabelecendo que, após sua morte, a Escócia passaria ao domínio da Espanha. Isto tudo acabaria chegando ao conhecimento de Elizabeth.

Francis Drake
Os navios que transportavam para a Espanha as riquezas e tesouros das colônias do Novo Mundo eram frequentemente alvo dos ataques de piratas e corsários inglêses, o que era motivo de protestos do rei espanhol junto à rainha inglesa. Uma das figuras mais polêmicas desta controvérsia foi Francis Drake, jovem capitão britânico, um dos primeiros a navegar em volta ao mundo. Ele foi enviado pela própria Inglaterra para águas americanas, para atacar e saquear os navios e colonias espanholas. Quando os espanhóis protestaram e apresentaram testemunhos e provas de que ele havia protagonizado os saques, os ingleses agindo politicamente, o responsabilizaram individualmente pelos atos de pirataria e o tornaram proscrito.
Porém, quando ele regressou à Inglaterra com os porões do seu navio abarrotado de ouro dos saques, ganhou imediata anistia, e como a situação com a Espanha havia azedado de vez, foi novamente reconhecido como corsário à serviço da coroa inglesa e acabou recebendo um título de nobreza das mãos da própria Elizabeth, passando a ser citado como Sir Francis Drake e reintegrado à marinha inglesa.

A Morte de Mary Stuart
Enquanto isto, Mary Stuart, rainha da Escócia, enfrentou uma dissidência na sua própria corte e refugiou-se na Inglaterra. Porém, ao chegar, recebeu voz de prisão de sua prima. Foi acusada de conspiração, julgada e decapitada em 8 de fevereiro de 1587.
Isto serviu de pretexto para que seu aliado Felipe II, que já tinha planos de atacar os ingleses, disparasse os preparativos finais para a invasão da Inglaterra.
A Armada
Durante os anos anteriores, havia sido encetado um grande programa de construção de navios. Outros que estavam disponíveis na Espanha e em países sob seu domínio foram reunidos e equipados, inclusive 12 navios portugueses.
Em julho de 1588, foi reunida a esquadra de invasão:
Um total de 130 navios, com 2431 canhões.
Os navios eram:
65 galeões e mercantes adaptados com canhões,
25 cargueiros cheios de cavalos, mulas e provisões,
32 barcos pequenos,
4 galés e
4 galeaças.
A frota transportava 27.500 homens, sendo:
16.000 soldados,
8.000 marujos,
2.000 operários (prisioneiros e escravos) nas galés,
1.500 cavalheiros e outros voluntários.
Esta força naval, mais tarde apelidada ironicamente pelos ingleses The Invincible Armada, começou a partir em 22 de julho de 1588 de La Coruña, costa norte da Espanha, sob o comando de Don Alonso Pérez de Guzman (El Bueno), Duque de Medina-Sidonia, nobre espanhol sem nenhuma experiência naval. Porém, tinha sob suas ordens diversos comandantes experientes e competentes, dentre os quais se sobressaia Don Alonso Martinez de Leiva, talvez o mais hábil capitão naval da Espanha.
Seus navios transportavam, além do pessoal e das armas, todo o apoio logístico necessário para manter uma tropa de 30.000 homens durante pelo menos seis meses. Entre os itens transportados, constavam: 5.000 toneladas de bolacha de marinheiro, 272.000 kg de carne de porco salgada, mais de 150.000 litros de azeite de oliva, e 14.000 barris de vinho.
Além disto, ainda haviam 5.000 pares de calçados e 11.000 pares de sandálias, e material para reparos dos navios e das carroças e equipamentos de apoio transportados.
Acompanhavam as tropas 6 cirurgiões, 6 clínicos, 19 juízes e 50 funcionários administrativos selecionados para estabelecerem as bases do governo na Inglaterra, bem como 146 nobres voluntários, com seus 728 criados. Isso além de 180 sacerdotes, como conselheiros espirituais e confessores, que ajudaram a abençoar todos os homens antes do embarque.
Como reserva, para posterior ocupação da Inglaterra, ainda havia na Holanda uma força terrestre sob o comando do Duque de Parma, com aprox. 30.000 soldados. Eles também traziam munições e provisões adicionais.
O Confronto
Por volta do dia 29, a Armada estava finalmente ao largo de Plymouth. Diz a lenda que Francis Drake, que por esta ocasião comandaria as ações da esquadra inglesa, foi avisado de que a força espanhola estava chegando à Inglaterra enquanto jogava uma partida de boliche. Teria enviado seu imediato para o porto para preparar a partida da esquadra e continuado a jogar, declarando: “Podemos terminar nosso jogo!”


Defeat of the Spanish Armada (Derrota da Armada Espanhola), pintado em 1796 pelo pintor inglês Philip James de Loutherbourg, retrata a batalha travada em 8 de agosto de 1588. Esta obra atualmente encontra-se no National Maritime Museum, da Inglaterra.

A Armada estava a cinquenta milhas de Plymouth. E no decorrer da semana seguinte, os ingleses, sob comando-geral de Lord Charles Howard, travaram dois combates com os espanhóis.
Cabe aqui ressaltar que as diferenças táticas tiveram um papel fundamental no decorrer dos confrontos. Os espanhóis procuravam sempre abordar os inimigos e travar combate direto, visando capturar os seus navios, enquanto os ingleses, que sabiam que este tipo de confronto lhes seria desvantajoso, haviam se preparado para travar a luta a distância, disparando a partir do alcance útil dos seus canhões, e se evadindo ante a aproximação dos navios espanhóis. Conseguiam isto por serem seus barcos mais leves e com mais capacidade de manobra.
Os navios principais e mais bem armados da frota espanhola eram pesados e difíceis de manobrar, com carga total, enquanto os ingleses, apesar de em menor número, eram mais ágeis e sabiam utilizar melhor suas vantagens, comandados por chefes hábeis como Drake, que era o vice-comandante da frota britânica, e Thomas Fleming.
Mas durante esses dois confrontos, apesar de inúmeros acertos, não conseguiram danificar seriamente os grandes barcos de Medina-Sidonia. Os espanhóis, por sua vez, não conseguiram se aproximar o suficiente para abordar os barcos ingleses.
O plano do almirante espanhol previa um encontro para receber munições e provisões das forças do Duque de Parma, em Dunquerque. Mas, os mensageiros enviados não conseguiram contato  e trouxeram a  péssima notícia de que as águas no litoral de Flemish, local previsto para o encontro, eram rasas demais para o calado de seus grandes navios.
Neste impasse, Medina-Sidonia teve que ancorar ao largo de Calais, para reparar seus navios, antes de tentar nova investida.
Os espanhóis sabiam que o engenheiro italiano Giambelli estava trabalhando para os ingleses na preparação de brulotes, barcos incendiários e explosivos que poderiam ser enviados contra sua frota.
Por isto, lançaram sua âncoras presas à bóias, pois caso precisassem sair rapidamente, bastaria cortar as amarras e depois voltar para recuperar as âncoras presas às bóias.
Durante a noite, Howard enviou oito de seus navios mais velhos, despojados de todos os equipamentos, mas carregados com materiais inflamáveis e explosivos, sob o comando dos capitães Young e Prowse, rumo à frota espanhola, aproveitando os ventos e a maré favoráveis, e sob o manto da escuridão. Ao se aproximarem, em rota de colisão, os pilotos e os poucos tripulantes atearam fogo aos barcos, abandonando-os no rumo dos navios ancorados. Isto fez com que os espanhóis cortassem as amarras imediatamente, içando as velas e se espalhando para evitar os brulotes, que começaram a explodir. Nesta confusão, vários navios se abalroaram entre si, causando diversos danos, embora nenhum se incendiasse.
A Batalha de  Gravelines

Ao amanhecer de 8 de agosto, Medina-Sidonia viu parte de sua esquadra dispersa e sob risco de encalhe na costa de Flemish. Destacou então quatro grandes navios para fazer uma linha de defesa, enquanto o restante da esquadra tentava se reagrupar para combater.
Os ingleses atacaram com dois destacamentos, num total de quase 40 navios, sob o comando de Drake, que liderava, e Frobisher.
Outros navios espanhóis vieram em socorro dos seus, mas os ingleses estavam na ofensiva e causaram grandes danos nos navios principais. Três desses grandes navios foram afundados e mais doze seriamente danificados, numa batalha confusa em meio à fumaça. As perdas espanholas neste dia somaram em torno de 600 mortos e 800 feridos.
Pouco antes do anoitecer, Drake abordou e capturou o galeão Rosário com toda a sua equipagem, inclusive o almirante Pedro de Valdez. Este navio carregava elevada quantia para o pagamento dos exércitos do Duque de Parma, na Holanda.
Algumas vulnerabilidades da Armada ficaram visíveis: os mercantes convertidos em vasos de guerra tiveram problemas quando as estruturas começaram a ceder, não suportando os impactos do recuo dos seus próprios canhões. Os vazamentos surgiram, e os os carpinteiros trabalhavam até a exaustão para fazer os reparos. Isto desabilitava a artilharia destes navios. Além disso, o improvisado aumento do poder de fogo da Armada não teve uma correspondencia no número de artilheiros, fazendo com que soldados manejassem os canhões sem o treinamento adequado, diminuindo a eficácia da artilharia.
Após nove horas de ferrenho combate, a chegada do anoitecer e um temporal com ventos muito fortes interromperam as hostilidades.
E então veio o pior: a ventania empurrou os destroçados navios espanhóis de encontro aos bancos de areia, onde muitos encalharam!
Ao amanhecer, tudo parecia perdido, mas os ingleses estavam sem munição e não atacaram. Os ventos mudaram e ajudaram os navios da Armada a se safarem dos bancos de areia.
O comandante inglês enviou alguns barcos à Inglaterra, com pedidos desesperados por mais munição, porém os espanhóis também estavam na mesma situação e com seus navios muito danificados, alguns com a artilharia inoperante. Com poucos disparos de parte à parte, os espanhóis aproveitaram o vento favorável e forçaram a passagem, arremetendo para o norte através do canal, único caminho disponível.
Os ingleses decidiram não persegui-los além das águas inglesas, pois perceberam que eles já estavam derrotados e seus próprios marujos também estavam esgotados e abatidos por ficar tanto tempo em atividade no mar agitado. A disenteria e o tifo infectavam as suas tripulações.

O Desfecho

Os espanhóis, após um conselho de guerra, resolveram trazer sua armada derrotada de volta à Espanha, contornando as Ilhas Britânicas.

 Roteiro da Armada Espanhola (clique para ampliar).

Na costa escocesa, conseguiram comprar algumas provisões de barcos de pesca, mas sua situação era de penúria. As mesmas doenças que vitimavam os ingleses também os afetavam. Havia mais de 3.000 doentes a bordo. Diariamente havia mortes. As provisões estavam acabando e a alimentação teve que ser racionada. Os animais de tração a bordo foram abatidos para alimentação, mas a água estava escassa e era de péssima qualidade, provocando intoxicações nos marujos. Alguns navios muito danificados e com vazamentos requeriam constante bombeamento manual de água para não afundarem, o que esgotava ainda mais as tripulações.
Mas o pior ainda estava por vir: ao largo do cabo Wrath, ventos fortíssimos desmancharam a formação da esquadra e mais de trinta navios desgarrados foram jogados de encontro aos recifes da Escócia e da Irlanda, afundando diversos outros no mar. A galeaça napolitana Girona foi um dos barcos que colidiram com os recifes da Irlanda do Norte. Dos seus 1.300 ocupantes, apenas cinco chegaram à terra! Esses e outros que conseguiram chegar à Escócia foram asilados pelo rei James VI, filho de Mary Stuart.

Esta Cruz de Cavaleiro de Malta foi recuperada dos destroços da galeaça Girona, que bateu nos recifes da Irlanda do Norte em 26 de outubro de 1588. Acredita-se que pertencesse ao capitão do navio, Fabricio Spinola. Atualmente, há habitantes locais que se dedicam exclusivamente à atividade de recuperar objetos e jóias dos navios da Armada naufragados ao longo das costas da Irlanda e da Escócia.
(Foto: National Geographic Magazine) 
 
Consta que apenas 64 navios conseguiram retornar à Espanha! Mais de 20.000 homens pereceram, a grande maioria em naufrágios causados pelas tempestades. Enquanto isto, as perdas inglesas foram mínimas, apenas um navio, além dos oito incendiados e sacrificados, e menos de 100 mortos.
Felipe II, que pensou lutar numa guerra santa sob a bênção de Deus, contra os hereges ingleses, ficou mortificado ao receber as notícias do insucesso da empreitada e da destruição de sua poderosa Armada.
Dizem que retirou-se para meditação e ficou longo tempo deprimido, sem receber ninguém. Sob o enfoque de sua obstinada fé religiosa, ficava ainda mais difícil aceitar a fragorosa e total derrota, principalmente levando-se em conta que os elementos naturais tiveram papel fundamental na destruição da Invencível Armada. 
Na Espanha, correram rumores que o insucesso fora um castigo divino pela conduta devassa do rei, que apesar de devoto, mantinha casos extraconjugais. 
Mais tarde, a esquadra espanhola foi reconstruída parcialmente e ainda naquele mesmo século houveram outras tentativas frustradas de submeter a Inglaterra, antes do declínio do poderio naval luso-espanhol, que  aos poucos perdeu seu lugar para os britânicos.
Mas, para os perseguidos religiosos da Europa, este episódio foi tomado como um sinal claro, mostrando de que lado estava Deus...

Análise:
Embora a operação tenha sido planejada de forma bastante minuciosa e aparentemente houvesse recursos materiais para leva-la a cabo, nem todos os fatores envolvidos puderam ser avaliados.
A conversão de navios mercantes em vasos de guerra foi uma experiência mal-sucedida, que comprometeu o desempenho da esquadra, limitando seu poder de fogo, no momento crucial da batalha.
Artilheiros experientes não são feitos da noite para o dia, e  o aumento do número de canhões da esquadra criou uma situação em que soldados regulares passaram à condição de artilheiros improvisados e inexperientes, sem a necessária eficácia.
As táticas consagradas pela marinha espanhola de abordagem e captura dos barcos inimigos se revelou inadequada, pois os ingleses, com navios mais manobráveis, conseguiram evita-las, recusando o combate corpo-a-corpo, a não ser quando estavam em vantagem.
O levantamento do teatro de operações também deixou muito a desejar, pois o ponto de encontro com o exército de Parma se revelou um local inadequado para atracar, devido ao calado dos navios totalmente carregados.
As condições meteorológicas, fundamentais para a operação de veleiros, teriam que ser conhecidas e consideradas, pois afetavam até a viabilidade da ação.
Fora isto, as condições de higiene e saúde existentes nos navios daquela época eram sabidamente insalubres, e comprometiam quaisquer operações que implicassem na permanência prolongada a bordo.
Possivelmente, todos esses fatores negativos concorreram para neutralizar a superioridade numérica da Armada e causar o seu insucesso.
Referências:
Wikipédia: Francis Drake, Mary Stuart, Felipe II
Priceless Relics of the Spanish Armada (National Geographic, June 1969)
The World of Elizabeth I (National Geographic, November 1968)
Notas:
1 - Este é um assunto que me fascina desde criança, quando li numa revista em quadrinhos uma história baseada nos feitos de Sir Francis Drake, que falava do confronto com a Invencível Armada. 


2 - As datas citadas aqui estão conforme o calendário gregoriano, já usado na época pela Espanha. Algumas obras podem divergir, por citarem as datas no calendário juliano, ainda usado pelos ingleses naquela época. Neste caso, as datas estariam 10 dias mais cedo.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

FILME: BARCO - INFERNO NO MAR (VERSÃO DO DIRETOR)

Até 1981, filmes sobre a ação de submarinos na II Guerra Mundial tinham um clássico como referência: O Mar é o Nosso Túmulo (Run Silent, Run Deep – EUA – 1958).
Então, foi lançado O Barco – Inferno no Mar (Das Boot – ALE – 1981), considerado hors concours o melhor filme sobre este tema.
Este filme tem uma história curiosa: sua filmagem rendeu diversas versões: a primeira foi para exibição em cinemas, com 150 minutos (1981); uma série de três episódios de 100 minutos, apresentada pela BBC (1984); uma série de 6 episódios de 50 minutos para a TV alemã (1988) (também apresentada no Brasil); a Versão do Diretor, em DVD, com 209 minutos (1997); e finalmente, em 2004 foi lançado em DVD a Mini-Série Sem Cortes, com 293 minutos, omitindo apenas as cenas repetidas dos capítulos anteriores, apresentadas na TV a cada episódio.
Essa análise é feita sobre a Versão do Diretor, em DVD, distribuída no Brasil pela Columbia Pictures, em widescreen 1.85:1, com trilha sonora em Dolby 5.1.
Apesar de tantas versões, quando o assistimos, o que vemos não é uma sucessão de recortes emendados sem continuidade, mas uma história que corre com fluidez e onde, apesar da longa duração, a ação surge a todo o momento, sem dar tempo para o tédio.
O filme ajudou a projetar o diretor Wolfgang Petersen no cenário mundial. A história se baseia no livro Das Boot, de Lothar-Günther Bucheim, onde ele conta a história de uma patrulha de guerra típica a bordo do submarino alemão U-96, durante a II Guerra.

Jürgen Prochnow: excelente, como o carismático capitão Willenbrock, do U-96.

O filme é protagonizado pelo excelente ator Jürgen Prochnow, no papel do carismático e seguro capitão Willenbrock, e Herbert Grönemeyer como o correspondente de guerra tenente Werner, que acompanha a viagem, documentando a missão, a exemplo do que o autor do livro fez na vida real. Klaus Wennemann é o primeiro-tenente chefe das máquinas e imediato do submarino.
A consultoria ficou a cargo de Heinrich Lehmann-Willenbrock, o verdadeiro comandante do U-96, e de Hans-Joachim Krug, imediato do U-219.

 O capitão Willenbrock (Prochnow) e o correspondente de guerra Werner (Grönemeyer) numa das tomadas externas.

A história se passa em 1941, durante a Batalha do Atlântico, quando a Alemanha tentava asfixiar as Ilhas Britânicas, cortando o seu fluxo de suprimentos vitais, que chegava exclusivamente pelo mar, na maioria em comboios com dezenas de navios, escoltados por contratorpedeiros.
Os submarinos alemães empregavam a tática chamada “alcatéia”, onde quem localizasse a presença de um comboio não o atacava imediatamente, mas comunicava sua posição e rumo a outros submarinos, que se reuniam numa emboscada.
Quando atacavam, de preferência à noite, o faziam de forma simultânea, de posições diferentes, torpedeando diversos navios e confundindo os contratorpedeiros de escolta.
Esta tática teve efetividade terrível no início da campanha, ameaçando a sobrevivência da Inglaterra. Por isto, os aliados empenharam todos os seus esforços e desenvolveram novas tecnologias e táticas, refreando o ímpeto dos chamados "lobos cinzentos". 
Na época abordada pelo filme, a maré já começava a mudar a favor dos aliados, e o U-96 enfrenta dificuldades para cumprir sua missão.
Em grande parte do tempo, a ação se passa no claustrofóbico interior do submarino. As cameras viajam como se fossem os olhos dos tripulantes, se deslocando pelos apertados corredores e compartimentos, captando a agitação e a tensão dos momentos mais críticos.
E podemos ter uma ideia do dia-a-dia da tripulação, confinada com seus problemas diários e sua intimidade exposta, num cubículo onde é impossível ter privacidade.

 A atmosfera tensa e claustrofóbica do interior do submarino é bem captada pelas tomadas da camera.
Ao contrário de outros filmes, os alemães não são os frios e estereotipados fanáticos nazistas de sempre, mas combatentes comuns, com idéias, temores e sentimentos próprios, capazes de tremer sob um ataque de cargas de profundidade e de se emocionar ao ver fotos da família. Apenas um dos integrantes da oficialidade é ostensivamente nazista, mas não parece entusiasmar outros membros da tripulação. Na realidade, seus colegas e o capitão não parecem leva-lo muito a sério.
O filme cita que, dos quase 40.000 marinheiros que foram para o mar na II Guerra a bordo dos submarinos alemães, 30.000 não voltaram, um índice de baixas superior ao de qualquer outra atividade bélica.
A versão cinematográfica do filme recebeu seis indicações para o Oscar 1982, nas categorias de melhor fotografia (Jost Vacano), melhor direção (Wolfgang Petersen), melhores efeitos sonoros (Mike Le Mare), melhor montagem (Hannes Nikel), melhor mixagem de som (Milan Bor, Trevor Pyke e Mike Le Mare) e melhor roteiro adaptado (Wolfgang Petersen), mas não venceu em nenhuma. Parece que um filme alemão, com heróis alemães, e falado em alemão não caiu tanto no agrado dos jurados americanos.
Em compensação recebeu diversos outros premios de órgãos mundiais ligados ao cinema, inclusive o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro de 1981 (EUA).
A trilha sonora é magnífica!

U-boot é o termo alemão para submarino (de unterseeboot, barco submarino). Mas os submarinistas alemães chamavam seu próprio submarino simplesmente de “boot” (barco). Das Boot significa simplesmente submarino, no jargão dos marujos. Mas, o título brasileiro adotou uma tradução literal e o título virou BARCO, acrescentando: Inferno no Mar.
Em Portugal, o título adotado foi: A ODISSEIA DO SUBMARINO U-96.
Definitivamente, a história não é sobre um “barco” qualquer, mas sobre um submarino! E na minha opinião, mais adequado do que “barco” seria SUBMARINO!

Nota adicional: Na redação original deste post, eu havia citado a presença da ex-chacrete Rita Cadillac fazendo uma ponta no filme, como garçonete. Entretanto, graças a um comentário recebido, revi as cenas e constatei que nenhuma das garçonetes é realmente a ex-chacrete, apesar de constar esse nome nos créditos. Na verdade, esta citação se refere ao nome artístico de uma "stripper", cantora e atriz francesa, já falecida, cujo verdadeiro nome era, segundo consta no site IMDB, Nicole Yasterbelski. Mais famosa na Europa como atriz de striptease, ela participou de diversos filmes europeus, principalmente policiais, nas décadas de 50-60. Possivelmente, foi ela quem inspirou o apelido da chacrete.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

FILME: O RESGATE DO SOLDADO RYAN

Uma vez deflagrada, uma guerra só nos dá uma alternativa: vence-la, a qualquer custo! Isto porque as consequências da derrota são as piores que podemos imaginar. E vencer uma guerra a qualquer custo significa esquecer todos os princípios de humanidade, caridade, compaixão e compreensão que idealizamos para viver em harmonia com os outros habitantes deste planeta. Só a ilusão e os efeitos da propaganda podem levar alguém a pensar que podemos estabelecer regras numa guerra. É  por isto que a guerra deve ser evitada a qualquer custo! (Leonel, o pensador)

Em junho de 1944, durante a II Guerra Mundial, numa seção de ajudância do exército americano, ao lado do gabinete do Chefe do Estado-Maior, General George Marshall, diversas datilógrafas tinham muito trabalho: sua tarefa era datilografar as cartas que seriam enviadas às familias dos militares americanos que morriam diariamente nas frentes de combate. Mas, uma delas percebeu que já havia datilografado mais de uma carta para a mesma Sra. Ryan,  naquele dia: foi conferir e verificou que uma pobre mãe americana iria em breve receber três cartas, comunicando a morte de três de seus quatro filhos combatentes! O próprio general foi informado que o único filho sobrevivente da família Ryan era um paraquedista que acabara de saltar atrás das linhas alemãs, numa ação precursora dos desembarques aliados do Dia-D, na europa continental, dominada pelos nazistas.
E uma decisão foi tomada: deviam a todo o custo impedir que esta família americana fosse irremediavelmente extinta! E a única forma de fazer isto seria desmobilizar imediatamente o filho sobrevivente, resgatando-o do combate e despachando-o para casa.
Esta situação fictícia dá o tema para um dos filmes mais incisivos e realistas sobre a II Guerra Mundial, talvez o melhor de todos.
 Pouco antes do inferno: o Sgto. Horvath (Tom Sizemore) e o Cap. Miller (Tom Hanks) numa lancha de desembrque, rumo à Normandia, no dia-D, 6 de junho de 1944.

O filme O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, EUA, 1998, 170 min.) foi produzido por um grupo liderado por Ian Bryce, teve a direção de Steven Spielberg e a consultoria de Stephen Ambrose, falecido em 2002, autor de diversos livros sobre a história dos EUA e sobre a II Guerra: Band of Brothers, Azul Sem Fim, O Dia D, e outros.
Durante as filmagens, os atores foram levados a passar por algumas experiências para sentirem melhor como viviam os soldados americanos na II Guerra: durante 10 dias, tiveram que dormir em barracas e se alimentar com as rações enlatadas servidas como alimento-padrão aos soldados do front.  E tudo isto sob a orientação de um autêntico capitão da reserva dos fuzileiros dos EUA, que ministrou ao elenco um treinamento básico de combate.
Dezenas de veteranos sobreviventes das ações mostradas no filme foram entrevistados e tiveram suas experiências reais registradas como subsídio para o filme.
A película recebeu seis indicações para o Oscar de 1999 e foi escolhida em cinco: melhor diretor para Steven Spielberg, fotografia, edição, edição de som e  som. Além disto, recebeu também o Globo de Ouro como melhor filme e melhor diretor,  o Bafta britânico como melhor filme, efeitos especiais e som, e o troféu Grammy pela trilha sonora de John Williams (Star Wars). No Japão e na França, foi premiado como o melhor filme estrangeiro. Acho que não tiveram coragem de premiar mais uma vez o já agraciado Tom Hanks.
O filme retrata alguns dos momentos mais cruciais da guerra, sem a “pasteurização” que torna os vencedores bonzinhos, deixando os atos impiedosos para os “bad guys”.
As cenas que mostram a fúria dos soldados americanos contra os alemães que massacraram seus companheiros minutos antes, no desembarque na praia francesa de codinome Omaha, são um exemplo desta crueza.
A sequência do desembarque é de extrema violência, mas acreditem, todas as tomadas são reproduções de fatos reais. O diretor montou um  mosaico com as lembranças dos veteranos que estiveram presentes ao desembarque real na costa da Normandia, em 6 de junho de 1944. Assim, ao assistir ao filme, cada um dos verdadeiros protagonistas acabou vendo em determinado momento uma ou mais cenas que ele mesmo viu acontecerem naquele dia. Quem leu as obras de Richard Collier, Cornelius Ryan e Stephen Ambrose sobre o assunto poderá ver coisas familiares.
Mas, passada o angustiante desembarque, vemos o jovem capitão da infantaria americana John Miller (Tom Hanks), incumbido de formar um grupo de combate para cumprir a missão de localizar e resgatar o jovem James Ryan (Matt Damon), no interior de uma França que virou terra-de-ninguém, sem fronteiras definidas, onde se pode topar com um inimigo a qualquer momento e em qualquer lugar.
Como prêmio por esta missão, eles também serão mandados de volta para suas casas, o que aumenta de forma substancial a sua motivação.
Os diálogos soam muito autênticos, como se esperaria ouvir de soldados reais, sem as patriotadas e romantismos de alguns filmes deste gênero. 

 Grupo em marcha: o caubói grandalhão Reiben (Edward Burns) vai à frente, empunhando o pesado B.A.R.

As aventuras em que o grupo de resgate se envolve fazem o deleite dos apreciadores de filmes de guerra. Pode-se ver uma amostra de diversos tipos de ações que podem ocorrer numa guerra, e os soldados se mostram um grupo bastante heterogêneo, cada um com características bem definidas.
O sargentão Horvath (Tom Sizemore), veterano de diversas campanhas, que guarda na sua mochila latinhas com terra dos lugares onde esteve combatendo, é  como um irmão mais velho que cuida de todos, inclusive do seu capitão.
O atirador de elite e devoto Jackson (Barry Pepper ) usa um rifle com luneta e, ao disparar, reza para que o Senhor guie seus tiros.
O soldado Mellish (Adam Goldberg) faz questão de dizer na cara de cada prisioneiro alemão que é “juden” (judeu, em alemão).
O soldado Caparzo (Vin Diesel) é guiado pelas suas emoções, como um bom ítalo-americano.
Para alguma eventualidade, ainda levam o dedicado oficial-médico Irwin Wade (Giovanni Ribisi). 
E não podia faltar o cabo burocrata e meio moita Upham (Jeremy Davies), excelente com uma máquina de escrever, mas pouco afeito às escaramuças do combate. Faz tudo para ficar de fora desta boca pobre, mas como fala francês e alemão, tem escalação garantida.
Uma coisa que chama a atenção é a preocupação com a autenticidade dos detalhes: as armas inclusive. Nota-se que, como de costume nos grupos de combate do exército americano, o soldado grandalhão Reiben (Edward Burns) carrega o B.A.R. (Browning Automatic Rifle), uma arma automática, grande e pesada, que não era para qualquer um.
E de aventura em aventura, vão aprendendo duras lições sobre a guerra: neste mundo caótico, atos piedosos podem ter resultados desastrosos, a bravura pode ser castigada com uma morte estúpida, e a covardia pode ser a chave para o heroísmo.
Mas, talvez a mais cruel e presente dessas lições seja: o inimigo que você poupar pode ser aquele que o matará!

domingo, 29 de agosto de 2010

OS HONCHOS - UMA GUERRA SECRETA

O CONFLITO COREANO
A Guerra da Coréia foi travada entre 25 de Junho de 1950 e 27 de Julho de 1953.
Uma coisa que marcou esta guerra foi o fato de, pela primeira vez, haver um confronto aéreo entre aviões a jato. Nos céus da Coréia, os dois melhores caças do mundo e alguns dos melhores pilotos da época se enfrentaram em uma dura batalha pela superioridade aérea.
Como outros entusiastas da aviação, nos anos que se seguiram à Guerra da Coréia, acompanhei a evolução dos dados sobre os históricos combates aéreos entre os aviões da ONU, na maioria americanos e ingleses, contra aeronaves da Coréia do Norte, apoiada pela União Soviética e pela China Comunista (na época da guerra, ainda havia a China Nacionalista, hoje chamada Taiwan).
A Coréia do Norte, de regime comunista, invadiu a Coréia do Sul em 25 de junho de 1950, reforçada por um grande número de tanques T-34 (cortesia da Rússia) e um pequeno mas agressivo contingente de aviões, na maioria sobras da II Guerra Mundial.
A ONU, em resposta enviou as tropas, na maioria americanas, apoiadas por uma força aérea composta de aviões americanos e ingleses.
A tréplica dos vermelhos foi o envio de uma nova e insuspeitada arma que ameaçava mudar os rumos da guerra e que chamou a atenção do mundo.

AS AERONAVES PRINCIPAIS
Foi uma grande surpresa para todo o mundo o aparecimento dos MiG-15 nos céus da Coréia. Isto porque, durante a II Guerra, a Rússia nunca apresentou uma aeronave de caça com características superiores às aeronaves ocidentais, alemãs ou aliadas, de primeira linha.
Entretanto, o pequeno caça soviético, criado com forte influência do projeto alemão para o caça a jato Focke-Wulf Ta-183, tinham desempenho superior a tudo o que havia no ar naquela época! Suas incursões começaram a varrer dos céus os B-29, F-51, F-82 e F-80 americanos, assim como os Gloster Meteor ingleses.

O pequeno e mortífero MiG-15 surpreendeu o mundo ao surgir nos céus da Coréia.(Foto: arquivos da Força Aérea Russa)

Como uma amostra do que viria a ser uma tendência no arsenal soviético no decorrer do século, o MiG-15 era uma arma defensiva, um interceptor clássico, projetado para se opor a uma ameaça específica: os grandes bombardeiros americanos! Os russos tinham assistido de camarote à destruição que as grandes formações de B-17 e B-24 tinham semeado na Alemanha, e posteriormente os arrasadores bombardeios das novas Superfortalezas B-29 sobre o Japão, culminando com o lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki. Já se sabia de novos projetos de aviões ainda mais potentes e capazes, como os  B-36 e B-47.
Assim, o MiG-15 tinha todas as características de um interceptor de bombardeiros:  grande velocidade (Mach 0.92) e razão de subida, teto máximo operacional de +50.800 pés (+ 16.700 m) e o pesado armamento constituído por um canhão de 37 mm e mais dois de 23 mm. Como a maioria dos interceptores, tinha também um curto raio de ação (aprox. 700 km). Era impulsionado por um motor copiado do turbojato inglês Rolls-Royce Nene, cedido aos russos após a II Guerra.
Sua aparição no conflito tinha um alvo determinado: os B-29 americanos que martelavam as forças norte-coreanas. E, depois de algumas intervenções, duas delas arrasadoras, os B-29 sumiram dos céus diurnos da Coréia, devido às pesadas perdas! Objetivo alcançado!
Os americanos reagiram lançando no conflito os caças Republic F-84 Thunderjet, que também não eram páreo para os MiGs, e finalmente, o que tinham de melhor: os caças F-86.

O F-86 chegou à Coréia como resposta ao MiG-15. Aqui vemos um exemplar que sobreviveu à guerra, fotografado em Albrook AFB, Canal Zone (atual Panamá), em 1967. (Foto: arquivo do autor)

O North American F-86A Sabre tinha desempenho semelhante ao MiG-15, perdia para o russo em teto máximo (45.600 pés = 15.000 m) e em razão de subida, e também no poder de fogo, mas era capaz de mergulhar em velocidade maior (Mach 0.97) do que seu oponente, sem perda de controle, era mais estável nas manobras e tinha aviônicos mais avançados, inclusive o visor de tiro, dotado de um radar de curto alcance. Posteriormente, começaram a chegar os F-86E, que tinham melhoramentos como os estabilizadores traseiros inteiramente móveis, funcionando em conjunto com os profundores.
O F-86 vinha do mesmo fabricante do famoso P-51 Mustang, e a USAF adotou nesta aeronave o mesmo armamento do caça da II Guerra: seis metralhadoras .50 (12,7 mm). No teatro de guerra europeu, os americanos estiveram sempre na ofensiva, geralmente só enfrentavam caças alemães e este poder de fogo parecia bem adequado.
Mas, segundo relatou um piloto americano veterano da Coréia, na série DOGFIGHT, do History Channel, em diversas ocasiões ele e seus colegas viram seus tiros atingirem em cheio os MiGs, que, mesmo avariados, conseguiam se evadir do combate. Isto deve incluir alguns aviões dados como “abatidos”. Quando, porém, eles próprios eram atingidos pelos MiGs, o resultado era quase sempre fatal, pois os danos causados pelos canhões de 23 mm e principalmente pelo de 37 mm eram pesados demais para uma aeronave de caça.

OS PILOTOS
Mas, que espécie de homens estavam na carlinga dos temíveis MiGs?
Bem, segundo as informações divulgadas depois do fim da “cortina de ferro”, havia três tipos distintos de pilotos:
Os norte-coreanos, os chineses e...os russos!
Agora, ambos os lados finalmente já não negam que houve combate direto entre pilotos americanos e russos durante o conflito coreano.
Os norte-coreanos e chineses eram jovens pilotos militares, que foram enviados para treinamento na Rússia, com a finalidade específica de pilotarem os MiGs. Inexperientes, sua participação na guerra foi discreta, sendo contra eles que os americanos obtiveram o maior número de vitórias.
Alguns MiGs caíram em combate sem sequer terem sido atingidos, apenas pela perda do controle, entrando em parafusos que terminavam no solo, numa bola de fogo. Hoje sabemos que havia mais uma deficiência que afetava os pilotos dos MiGs: eles não usavam os trajes anti-G, que evitam o blackout em manobras de alto esforço, pressionando a parte inferior do corpo para evitar que o sangue fuja do cérebro. As vezes, algum piloto que forçava demais uma manobra podia literalmente "apagar" e acordar enterrado no solo!  
Para pilotar os seus valiosos F-86, os americanos enviaram uma mescla de ases e veteranos da II Guerra, secundados por pilotos já formados na era do jato.
Porém, uma surpresa aguardava os americanos, quando perceberam que havia pilotos de MiGs com inusitada habilidade, verdadeiros ases, ossos duros de roer!

OS HONCHOS
Os russos chegaram a princípio em novembro de 1950, com o 64º Corpo de Aviação de Caça, mais tarde reforçado pelas 151ª e 28ª Divisões Aéreas, cada uma com dois regimentos, cada regimento composto de três esquadrões. Essas unidades eram formadas na maioria por veteranos e ases da II Guerra, comandados por ninguém menos do que o consagrado ás máximo Ivan Kozhedub, agraciado três vezes com a medalha de “Herói da União Soviética”, com 62 vitórias na II Guerra. Porém, o grande ás russo apenas comandava, impedido por ordens superiores de voar em missões de combate.
Os americanos sabiam distinguir perfeitamente quando estavam enfrentando esses pilotos diferenciados, e os chamavam de “honchos”, palavra em japonês para “chefão” ou “figurão”. Logo, os serviços de informações confirmaram suas suspeitas, e eles ficaram sabendo que enfrentavam russos. Contudo, oficialmente ambos os lados negavam o envolvimento russo. A cumplicidade do governo americano era por temer que extremistas exigissem uma retaliação mais enérgica contra a União Soviética, provocando uma guerra total.
Os honchos são um capítulo à parte no conflito coreano. Segundo o relato de Alexandr Pavlovich Smortzkow, que comandou o 18º  regimento, eles eram voluntários, e tinham direito a uma remuneração especial por esta missão, além de prêmios extra por aeronave abatida. A princípio,  tiveram que aprender termos técnicos-operacionais em coreano, e receberam ordens de só usarem esta língua para se comunicarem em voo. Mas, consta que, com a chegada das Divisões aéreas 151ª e 28ª, os comandantes destas unidades, de forma inusitada, protestaram contra esta ordem, se recusando mesmo a cumpri-la. E foram apoiados pelo seu prestigiado comandante geral Kozhedub, o que fez com que seus superiores recuassem, e os pilotos passaram a falar abertamente  em russo. Deviam evitar a todo o custo serem abatidos sobre o mar ou sobre território inimigo, onde poderiam ser   capturados. Veteranos americanos falam de pelo menos um piloto russo metralhado por seus próprios aviões, após cair no mar.

Confirmado! Neste quadro extraído de um filme da camera de um F-86, pode-se ver a ejeção do piloto de um MiG abatido. Alguns desse filmes sumiram dos arquivos, talvez por mostrarem engajamentos feitos sobre a Coréia do Norte ou Manchúria, além dos limites impostos pela ONU. (Foto: National Archives & Records Administration - EUA)

Eles também tinham ordens de, caso estivessem em desvantagem nas ações, se refugiarem do outro lado do Rio Yalu, cruzando a fronteira, fechada aos aviões americanos pelas regras de engajamento da ONU. Mas, havia um setor próximo a esta fronteira onde eles costumavam patrulhar, cruzando o rio Yalu e invadindo o território sul-coreano. Os americanos chamavam este local de MiG Alley, algo como “beco dos MiGs”, pois sempre topavam com eles por ali. Veteranos contam que eram frequentes as incursões de caças americanos para além do paralelo 38, limite imposto pelos tratados da ONU.
Por volta de abril de 1953, os honchos sumiram como por encanto, e os americanos começaram a varrer como nunca os MiGs dos céus coreanos. Em julho do mesmo ano, a guerra terminou com a assinatura de um armistício.

ASES EM CONFRONTO
Desde a I Guerra Mundial, é considerado “ás” o piloto que abate em voo 5 aeronaves inimigas.
As fileiras soviéticas na Coréia contaram com 51 ases, porém, as vitórias soviéticas incluem aviões abatidos por mais de um piloto, agindo em cooperação. Desta forma, se dois abatiam o mesmo avião, contava mais um para ambos.
O maior ás russo seria Nikolai Vasilievich Sutyagin, com 21 vitórias (9 F-86), mais duas divididas com seu ala. Isto o torna o maior ás da guerra, pois o "top ace" americano Joseph McConnel Jr., somou "apenas" 16 vitórias!

Ases "honchos": Sutyagin (E) foi o maior ás da guerra com 21 vitórias. Seu camarada Pepelyaev (D) vem logo atrás, com 19. Existem relatos de que Pepelyaev teria ainda repassado 4 vitórias ao seu ala.(Fotos: arquivos da Força Aérea Russa)

Os arquivos da USAF mostram 40 ases na Coréia.
O cruzamento dos dados soviéticos com os arquivos da USAF permitem que se identifique até os pilotos envolvidos em determinados confrontos.
Pode-se saber, por exemplo, que em 2 de outubro de 1951, o ás soviético Lev Kirilovich Shchukin (17 vitórias), ao socorrer seu camarada Morozov, atingiu ninguém menos que o também ás americano Francis Gabreski (28 vitórias, maior escore da USAF na Europa, na II Guerra, + 6,5 na Coréia). Isto não foi contado como vitória, pois ninguém viu o avião cair, mas o F-86 de Gabreski abandonou o combate soltando fumaça e, após um pouso de emergência em sua base, foi jogado na sucata, sériamente danificado pelos pesados canhões do MiG.
Não só os F-86 abateram MiGs dos honchos na Coréia. Em 18 de novembro de 1952, três jatos Grumman F9F-2 Panther da VF-781, baseados no porta-aviões USS Oriskany, foram atacados por 7 ou 8 MiG-15 a 26.000 pés sobre Hoeriyong. Os russos vinham de Vladivostok, a 90 milhas de distância. No combate que se seguiu, os americanos alegaram que 5 MiGs foram abatidos ou danificados pelos Panther. A camera de bordo do Ten. Elmer R. Williams confirmou o abate de pelo menos um dos caças soviéticos, atingido pelos canhões de 20 mm do seu caça naval. Um dos pilotos russos se ejetou e pereceu nas águas geladas.

Joseph Mc Connel Jr.(E) foi o "Top Ace" americano, com 16 vitórias. Na sua cola ficou James Jabara(D), filho de libaneses, com 15. Todas essas vitórias foram sobre caças MiG-15. E, assim como no caso dos ases russos, algumas são contestadas.(Fotos: USAF e LIFE Magazine)

Apesar de existirem diversas listagens de ases, com números e critérios diferentes, parece não haver dúvidas quanto ao fato do maior ás da Guerra da Coréia ter sido o russo Nikolai Vasilievich Sutyagin com 21 vitórias, secundado por seu compatriota Yevgeny Pepelyaev, com 19.
Pelos americanos, Joseph McConnel Jr. com 16 e James Jabara, com 15, foram os “top aces”.

O DISCUTÍVEL SALDO AMERICANO
Os números do saldo dos confrontos diretos entre os melhores caças de ambos os lados , que foram divulgados nos anos 50 pela USAF, chamavam a atenção: a vantagem americana seria na fantástica razão de mais de 14 por 1!
Isto significava que para cada North American F-86 Sabre perdido em confronto direto, haviam sido abatidos 14 Mikoyan-Gurevich MiG-15!
Os comunistas nunca aceitaram esses dados, e com o passar do tempo, aquela razão inicial foi caindo significativamente.

OS DISCUTÍVEIS NÚMEROS RUSSOS
Os números alegados pelos russos também são discutíveis: eles declararam haver destruído 1.300 aviões das Nações Unidas, sendo 650 F-86, com a perda de  110 dos seus. Os registros da ONU não acusam tais perdas, no período em que os honchos atuaram na Coréia.
Segundo matéria publicada em agosto de 1999 na revista VFW Magazine, a participação dos russos foi maior do que se imaginou a princípio: os russos teriam cumprido 75% das missões aéreas de apoio aos norte-coreanos. E, de acordo com o Dr. Mark O'Neil, no documentário KOREA: STALIN'S SECRET AIR WAR, produzido pelo History Channel, “Desde 1º de  novembro de 1950 até o outono de 1951, foi uma guerra soviética – não haviam outros pilotos envolvidos”. 

O CONFUSO BALANÇO QUE NUNCA BATE
Por várias vezes, eu tentei apurar os números verdadeiros do conflito, mas desisti sem obter sucesso. Eu gostaria de saber realmente como foi o confronto entre os MiG-15 pilotados pelos honchos e os F-86 americanos.
Sem dúvida alguma, ambos os lados reportaram número maior de vitórias do que as perdas confirmadas pelos adversários. Muitas dessas alegações foram de boa-fé, quando pilotos julgaram ter abatido um avião que parecia já liquidado, mas que conseguiu regressar à sua base. Algumas vitórias alegadas pelos russos foram contestadas pelos americanos, que atribuiram a perda das aeronaves ao fogo antiaéreo. Também no caso de aeronaves danificadas em combate que cairam ao pousar na sua base, os americanos atribuiram as perdas à "acidentes".
Os americanos alegaram inicialmente haver abatido incríveis 792 MiGs e perdido apenas 58 F-86 em combate. Nesta conta entrariam aviões pilotados por russos, chineses e norte-coreanos.
Mas, as perdas norte-coreanas e chinesas não podem ser pesquisadas.
Pesquisas mais recentes apontam 379 MiGs abatidos pela USAF, com a perda de 224 F-86.
(Lembramos que esta análise trata apenas do confronto direto entre MiG-15 e F-86. Os MiGs abateram também diversos outros tipos de aviões, como F-80, F-84 e B-29.)
Para o historiador americano Jon Halliday, que pesquisou o assunto, todas as baixas de pilotos de F-86 em combate foram causadas pelos Honchos.
Os números atualizados (mas, nunca definitivos) indicam que os americanos teriam ao todo uma vantagem de 1,7:1 no confronto com os MiGs em geral e 1,3:1 especificamente contra os honchos.
Porém, sejam quais forem os números verdadeiros, o resultado da guerra indica uma vantagem para os americanos. Não se pode mudar a história nem ocultar a realidade dos fatos: os honchos eram ótimos pilotos, sabiam utilizar muito bem as vantagens do seu avião e atingiram seu objetivo inicial de conter os B-29, mas, acabaram saindo do front, os americanos estabeleceram a superioridade aérea e venceram a guerra, forçando os vermelhos ao armistício.