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"Se deres um peixe a um homem, vais alimenta-lo por um dia; se o ensinares a pescar, vais alimenta-lo a vida toda."

(Lao-Tsé, filósofo chinês do séc. IV a.c.)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

SAINT-EXUPÉRY: FIM DO MISTÉRIO?

Na busca por Saint-Exupéry, acabaram encontrando os restos de um pequeno príncipe.

Um dos enigmas da história aeronáutica foi o destino de Antoine Saint-Exupéry, o celebrado escritor e aviador francês, autor de diversas obras sobre aviação, muitas delas narrativas de suas aventuras em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil e a America do Sul, além do Norte da África. De 1926 a 1931, fazia escalas de seus voos entre a Argentina e a Europa, pousando regularmente no aeródromo de Campeche, na ilha de Santa Catarina (SC-Brasil), onde era conhecido como “Zé Perry” e, segundo se conta, participava das animadas festas locais.
Cidadela, Vento, Areia e Estrelas, Terra dos Homens, Correio Sul, e Piloto de Guerra são apenas algumas de suas 28 obras.
Também foi o autor de O Pequeno Príncipe, livro de cabeceira de dez entre dez candidatas a miss universo. Essa história de um principezinho que habita um asteróide foi baseada numa inspiração que o autor teve enquanto vagava pelo deserto do Sahara, após um acidente com seu avião.
Saint-Exupéry era de tendência pacifista, mas apesar disto, durante a II Guerra Mundial, vendo sua querida França invadida pela avalanche nazista, alistou-se na Armée de l'Air (Força Aérea Francesa), onde pilotou uma aeronave Bloch MB 170, no esquadrão de reconhecimento GR II/33. Após a queda da França, foi para os EUA. Ele concluiu O Pequeno Príncipe em outubro de 1942, quando morava em Nova Iorque.
Em 1943, passou a integrar um grupo de aviadores franceses operando na Força Aérea do Exército dos EUA (USAAF).
 Saint-Exupéry, com o posto de major, na cabine de um P-38 F5B. Com 43 anos, já estava um pouco acima da idade para este tipo de aeronave.

Como piloto, sua utilidade era óbvia, porém sua idade (43 anos) e sua filosofia o contra-indicavam para o combate aéreo.  A média de idade dos pilotos de combate era de 21/22 anos. Mas, ele já tinha experiência na atividade de reconhecimento aéreo e assim, em 1943 foi designado para uma unidade americana na área do Mediterrâneo, equipada com aviões bimotores Lockheed P-38 Lightning, na versão F5B, de reconhecimento fotográfico. Desprovido de armas e munição, esta versão era mais rápida que a de caça.
Na sua segunda missão, sofreu um acidente, devido à pane em um dos motores, saiu bem machucado e foi mantido no solo por oito meses, só voltando a voar por intervenção pessoal do General Eisenhower, comandante-geral aliado. Desde que se metera em uma polêmica com o Gen. Charles De Gaulle, líder dos "Franceses Livres", por não apoiar a luta fratricida contra franceses fiéis ao governo colaboracionista de Vichy, ele fora acusado de ser simpatizante dos alemães, o que o deixara deprimido, e ele passou a beber em excesso.

Esta foto mostra um P-38 na versão caça. Na versão F5B de reconhecimento, foram retiradas as armas alojadas no nariz para dar lugar à cameras.

Em 31 de julho de 1944,  aos 44 anos, pilotava novamente um P-38 F5B, em uma missão sobre a Córsega. Parte do voo foi acompanhada pelo radar, mas, após sair de alcance, a aeronave desapareceu.
Houve especulações de suicídio, devido ao seu estado depressivo, mas nada havia que acrescentasse alguma informação sobre o destino do escritor. Alguns anos depois da guerra, foi descoberto que o corpo de um aviador havia sido resgatado do mar durante o conflito e enterrado em uma cova sem nome, na pequena ilha de Riou, no arquipélago de Calanques, no Mediterrâneo, próximo à cidade de Marselha.
Durante algum tempo, se acreditou que estes restos poderiam ser de Saint-Exupéry, e nos anos 60, um médico local os exumou para tentar confirmar a identidade. Os resultados foram inconclusivos e, depois da morte do médico, os despojos foram guardados por sua filha.
Até que, em 1998, no Mediterrâneo, ao sul de Marselha e a leste da Ilha de Riou, o pescador francês Jean-Claude Bianco recolheu nas suas redes uma pulseira com os nomes do escritor, de sua espôsa Consuelo e da sua editora, presa a um pedaço de tecido, parecendo ser do seu traje de voo. 

A pulseira de Saint-Exupéry, recuperada em 1998. Seu corpo nunca foi encontrado.

Em 2001, mergulhadores desceram ao fundo do mar e localizaram os destroços de um P-38 a 80 metros de profundidade. Este avião foi identificado positivamente como o avião pilotado por Saint-Exupéry em sua última missão. Mas, o corpo não foi encontrado.
O arqueólogo submarino Luc Vanrell detectou também restos de outro avião próximo ao P-38. A aeronave foi identificada como um caça alemão da mesma época, um Messerschmitt Me-109, meio enterrado na areia do fundo. Devido à problemas legais, só em 2005 Luc Vanrell, juntamente com o mergulhador Lino von Gartzen, pode içar o motor Daimler-Benz DB-601, fabricado pela Skoda, da Tchecoeslováquia, que fornecia compulsoriamente motores para a força aérea alemã durante a guerra. O motor, com o número de série ainda visível, foi levado para Munique e identificado como sendo de um avião pertencente à uma unidade de instrução tática estacionada no sul da França entre 1942 e 1944. Este avião era pilotado pelo jovem piloto alemão Alexis Friedrich Carl Christian, príncipe de Bentheim und Steinfurt, de 22 anos, quando foi abatido por caças americanos em sua primeira missão, em 2 de dezembro de 1943, meses antes do desaparecimento de Saint-Exupéry. Exames de DNA efetuados nos restos mortais exumados da cova sem nome, ainda em poder da filha do médico que os recolhera, revelaram que eles pertenciam ao “pequeno príncipe” alemão. Posteriormente, foram entregues à sua família, para sepultamento no jazigo familiar.
Mas, Von Gartzen continuou procurando mais informações sobre o fim de Saint-Exupéry, e com a ajuda da equipe de redação da revista dos veteranos da Luftwaffe (Força Aérea Alemã), Jaegerblatt, começou a entrevistar veteranos ainda existentes da unidade do Príncipe de Bentheim und Steinfurt, o Jagdgruppe 200. E, em julho de 2006, ele fez contato telefônico com o veterano ex-piloto Horst Rippert, em Wiesbaden. Quando explicou o motivo de sua ligação, o veterano de 86 anos admitiu: “Pode terminar sua busca! Eu derrubei Saint-Exupéry!”.
A partir daí, uma nova história veio à tona. 

Horst Rippert, nos tempos da II Guerra, com seu Messerschmitt Me-109: 28 vitórias na II Guerra. Infelizmente, uma delas foi uma derrota íntima, pois causou a morte do seu icone e inspirador.

Segundo Rippert, em 31 de julho de 1944, com 22 anos, ele estava em patrulha em um ME-109 sobre o Mediterrâneo quando viu um P-38 mais abaixo, com insígnias francesas, voando com aparente displicência a uns 6.000 pés (2.000 m.), observando a paisagem em torno, sem se aperceber de sua presença. Ele pensou consigo mesmo:”Está bem, amigo, se você não se cuida, vou despacha-lo!” Se aproximou, fez pontaria e atingiu as asas do avião inimigo com seus canhões. Segundo ele, o P-38 se descontrolou e caiu no mar. O piloto não saltou!
Rippert contou que, na sua juventude, lera obras de Saint-Exupéry e que elas ajudaram a inspirar sua vocação para pilotar. Quando relatórios da inteligência alemã revelaram que os aliados haviam reportado a perda do piloto e escritor, os pilotos alemães começaram a juntar os fatos, e perceberam que Rippert deveria ter sido o autor do abate. Consta que o clima foi de consternação, pois Rippert não era o único admirador do escritor francês.
Ao que parece, os pilotos fizeram um “pacto de silêncio” e nunca mais comentaram o fato com ninguém fora do seu círculo. Depois da guerra, Rippert seguiu carreira no jornalismo e trabalhou como comentarista do canal de TV alemão ZDF.
Quando os restos do P-38 foram localizados, Rippert teve a certeza de que havia abatido Saint-Exupéry. Mas, assim mesmo manteve o silêncio. E o pacto foi mantido até ele receber o telefonema de Von Gartzen. O piloto alemão não se cansou de dizer o quanto lamentou ter sido o agente da morte de seu ícone e inspirador.
Nunca se pode deixar de pensar se a aparente displicência relatada por Rippert não seria uma espécie de “suicídio passivo”. Qualquer piloto militar pode dizer que voar em uma zona de guerra sem checar continuamente o espaço à sua volta bem que pode ser considerado suicídio! Mas, jamais saberemos o que se passava na cabeça do grande escritor nos momentos que precederam à sua morte.
Entretanto, faltam registros oficiais da missão, perdidos ao longo de mais de 60 anos, e assim, só temos relatos e testemunhos verbais e anotações pessoais do fato. A família do escritor acredita no relato de Rippert. Von Gartzen ainda é cético. Existem registros militares alemães de que um P-38 foi abatido em 30 de julho, pelo Sgto. Guth, do 3/200 Jagdgruppe, mesma unidade de Rippert. Esta aeronave era pilotada pelo 2º Ten. Gene C. Meredith, do 23º Esquadrão Fotográfico do 5º Grupo de Reconhecimento. Mas, não há registro do abate alegado por Rippert no dia seguinte.  Porém, cabe notar que tais registros talvez tenham sido subtraídos mesmo durante a guerra, para manter o fato em sigilo, como desejava o protagonista.
Seja como for, a verdade é que em 31 de julho de 1944, a estupidez da guerra ou suas consequências puseram termo à vida de um homem que tinha plena consciência do absurdo contido nos conflitos.
Nas palavras lamentosas de Rippert:”Quem sabe quantos livros ele ainda escreveria?”

15 comentários:

  1. Leonel,
    Sensacional! Essa é a melhor história a respeito do "Zé Perry" que já li. Digna do próprio escritor. Para ilustrar gostaria de dizer que quando servi em Floripa o campo de pouso do Campeche usado pelo Zé (olha a intimidade!) era onde os helicópteros do 2º/10º faziam treinamento de pouso corrido (auto rotação), e xistia um clima de reverência ao se pousar lá onde tinham acontecido os pousos do aviador famoso. Conta-se que os tripulantes da empresa que usava aquele campo costumavam tomar banho nus na praia ali ao lado. Belo texto, parabéns.

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  2. - A menção ao "Pequeno Príncipe" como "livro de cabeceira de dez entre dez candidatas a Miss Universo" é verdadeira, mas pode induzir a erro o leitor que não conhece a obra - ou só passou os olhos por ela. É preciso ler nas entrelinhas para apreciar a profunda filosofia de vida que se esconde sob o manto de uma história ingênua e quase infantil.
    - Lembro-me de ter lido em algum periódico a notícia da descoberta dos destroços e dos objetos pessoais de Saint Exupéry, mas o assunto não mereceu seguimento... e agora, vem você, meu amigo, e exuma das sombrias tumbas da História o sarcófago perdido que guarda o segredo da última aventura desse Homem. Assim mesmo, com H maiúsculo. Parabéns!

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  3. Pelo que sei o velho SE era um cara meio boêmio e gostava de festas, como parece natural aos franceses.
    Quanto ao Pequeno Príncipe, é um livro bem mais profundo do que pode parecer, e encerra lições de viver como poucas obras. Eu sei porque o li e devo ter um exemplar do mesmo.
    Mas, não sei porque, virou um padrão das misses se declararem leitoras do livro. Não sei nem se todas captaram alguma coisa do que está contido nele, mas, como existem cursos especiais para misses, elas devem ter sido orientadas a citar a obra para contar um ponto acerca da sua sensibilidade e inteligência.

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  4. Mininu que babaaaaado... Não conhecia toda essa história que você nos conta assim, recheada, de detalhes. Adorei! Agora se me permite uma pergunta: qual é o problema do livro ter sido escolhido como ""livro de cabeceira de dez entre dez candidatas a Miss Universo" (como diz nosso amigo Rodolfo)???? Concordo plenamente que não é uma leitura nada simplista como possa parecer... e que quantas vezes o lermos (em épocas diferentes de nossas vidas)novas interpretações vamos dando e enxergando para além, muito além das palavras. Mas, sou da tchurma que incentiva a leitura do que for e de quem quer que seja... Só assim vamos apurando e desenvolvendo o gosto próprio.
    Beijuuss n.c.

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  5. Regina, não há nenhum problema com o fato das misses, em determinada época, apresentarem "O Pequeno Príncipe" como seu livro de cabeceira, só que eu acho coincidência demais, e um fato curioso, por isto o citei!
    Aliás, eu vi muita gente que nem leu o livro considera-lo pueril ou supérfluo, apenas por que o estereótipo das misses é de que elas seriam assim.
    Eu concordo que, cada vez que o lemos, em idades e fases diferentes, vemos cada vez mais coisas.
    Estou perdoado?
    Obrigado pelo comentário!

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  6. Li o Pequeno Príncipe, aquele "volumão" edição original, então, sou quase uma miss...

    Mas, é verdade a maioria misses passam os olhos pela profunda obra de Saint Exupery e sabe uma frase de cor: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"...

    Não engrosso a massa que acha que toda mulher é burra. Temos exemplos bem aqui nossa Miss Regina, Miss Milene e outras que são BELEZA PURA...

    Voltando ao S.Exupery : As últimas palavras de Saint-Exùpery, antes de embarcar na missão final e fatal foram: "Se voltar, o que será preciso dizer aos homens?"

    Acho que ele fugiu na carona do Asteróide B-612 e chegou ao lugar dos gênios geniais e lá foi recebido por um garotinho que disse: " Me desenha um carneirinho?"

    Grande história de um gênio que falava da alma com tanta profundidade e simplicidade.
    Parabéns!!

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  7. Sabia que por um tempo eu falava constrangidinha que havia lido O Pequeno Príncipe? Bobagem! Depois me livrei desse preconceito tolo. É uma bela leitura...

    Por aqui sempre se tem boa leitura e conhecimento, com riqueza de informações.

    Boa noite, moço botafoguense.
    Beijos.

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  8. Si, com o fim das restrições familiares ao progresso das mulheres, o que se vê neste início de século é que cada vez mais se vê rostos femininos nas mais diversas funções, principalmente nas áreas médicas, jurídicas e até militares e políticas.
    Exemplo: na época da minha juventude, nunca via uma mulher dentista. Hoje, quando olho num catálogo profissional, a especialidade odonto parece ser exclusividade feminina. Creio que no séc. XXI, as mulheres serão mais do que nunca as protagonistas.

    Milene, há muito tempo atrás, na minha adolescência, eu até evitava citar que havia lido esta obra, pois diziam que era um "livro para meninas"! Pra você ver como eram as coisas!

    Gracias pelos comentários!

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  9. Era um genio e viveu a vida com intensidade li O Pequeno Principe faz uns quarenta anos bateu vontade de ler de novo. Parabens pela excelente matéria meu amigo.

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  10. Obrigado pela visita, Veloso!
    Abraços para a Lady Garça!

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  11. Ah, eu li este livro e o amei tanto, que hoje, quarenta e dois anos depois, estou escrevendo um livro e um dos personagens quando criança, visita o Observatório Astrônomico de Strasbourg e o pai falava do livro e das estrelas que riem...

    Que bom que não acharam o corpo de SE - Acharemos sempre que ele está com o Pequeno Príncipe, inventando histórias para ele e sua rosa.

    Parabéns Leonel, pela sua sensibilidade e este magnífico texto jornalístico.

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  12. Não acharam nem acharão o corpo de SE porque ele foi arrebatado por um asteróide, onde vive e viverá para sempre, conversando com um principezinho que já vivia lá...

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  13. na verdade sou tão fã do saint que fico triste ate hoje com sua morte como se eu tivesse o conhecido, o livro o pequeno principie já li mais de 30 vezes é maravilhoso todo desespero do pequeno principie de escapar da solidão transcorre pelas paginas como um fugitivo em meio a uma busca implacável, em terreno hostil.

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  14. Isso prova que Saint Exupéry domina geral. Vejam só, até as misses querem fazer parte do quadro dos leitores de o pequeno príncipe, e ainda fingem que entenderam coisas tão geniais que nem continha no livro!!!! Brincadeira, falando sério, nunca havia tido a oportunidade de saber a respeito dele com tantos detalhes, muito singelo, adorei. Saint Exupéry para sempre na minha cabeceira...E olha que nem tenho vocação pra ser miss.kkkk.

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