FRASE:

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"Se deres um peixe a um homem, vais alimenta-lo por um dia; se o ensinares a pescar, vais alimenta-lo a vida toda."

(Lao-Tsé, filósofo chinês do séc. IV a.c.)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A BATALHA DE RIO JIMA

O desfecho foi parecido: soldados numa elevação hasteando a bandeira nacional. Mas, talvez parem aí as semelhanças da Batalha de Iwo Jima, no Pacífico, em 1945, com a Batalha do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010.
Em 25 de novembro de 2010, após uma semana de ataques esporádicos de facções criminosas, com bloqueios em ruas, incêndios ateados em ônibus e automóveis particulares, e tiros contra cabines policiais, uma poderosa força composta de membros do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar e  da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE)da Polícia Civil, empregando meia dúzia de blindados de assalto M-113 da Marinha do Brasil operados por fuzileiros navais, invadiu a favela de Vila Cruzeiro, enclave intocável dos traficantes de drogas durante vários anos de governos omissos, acordos sujos, populismo e demagogia.
Os costumeiros bloqueios usados pelos bandidos para obstruir as ruas de acesso às favelas não funcionaram contra os potentes e blindados veículos, dotados de lagartas ao invés de pneus. Caminhões atravessados na rua foram afastados do caminho com facilidade pelos tanques navais.
O helicóptero de uma emissora de TV mostrou então um dos espetáculos mais insólitos já vistos nos últimos tempos: pelos fundos da favela, numa passagem em torno de um morro que leva ao vizinho complexo de favelas do Alemão, começou o desfile de mais  de 200 bandidos, carregando armas de guerra e bolsas com munições, como uma bando de baratas fugindo de uma fossa dedetizada. Um franco atirador da polícia, bem postado, ainda disparou duas ou três vezes, acertando pelo menos dois marginais, que tombaram feridos. Mas, deve ter interrompido os tiros ao ser informado de que tudo estava sendo mostrado ao vivo pela camera no helicóptero. As entidades protetoras dos bandidos não iriam tolerar que os pobres marginais armados fossem alvejados assim.
Os marginais restantes abandonaram a estradinha e se dispuseram a atravessar o morro varando  o mato baixo, e chegaram ao Complexo do Alemão.
Assim, os homens da força mista entraram na Vila Cruzeiro praticamente sem resistência e ocuparam a comunidade.
Enquanto isto, chefões que comandaram os atentados de dentro dos presídios eram rápida e prontamente transferidos por ordem judicial para presídios de segurança máxima em outros estados. Também eram suspensas algumas regalias concedidas oficialmente a criminosos de alta periculosidade, como visitas quase ilimitadas de advogados e visítas íntimas de suas mulheres. E finalmente, a prisão de advogados de traficantes, acusados de servirem de estafetas para transmitir ordens dos seus clientes presos para as quadrilhas executarem os ataques terroristas.
Certas emissoras de TV, sempre prontas a denunciarem a dureza da polícia em ações nas chamadas comunidades, desta vez aprovaram tudo o que estava sendo feito, admitindo ser necessário, apesar dos transtornos para a população do local. E fica a pergunta: como de uma hora para outra se fizeram coisas que precisavam ser feitas há tanto tempo?
Talvez por um erro fatal cometido pelos marginais. Os traficantes ficaram aborrecidos com a implantação das chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em morros e favelas cariocas. A presença constante da polícia nas redondezas,  interagindo com as associações de moradores e líderes religiosos locais, além de ocupar o espaço político dos  traficantes, fez cair movimento dos pontos de venda de drogas, afugentando os usuários e causando grandes prejuízos aos "negócios". Esperavam que, após as eleições, as coisas fossem afrouxando e as UPPs fossem aos poucos sendo neutralizadas. Como viram que isto não aconteceu, resolveram partir para a intimidação. Facções criminosas até então adversárias se uniram e seus chefes, mesmo confinados em presídios, orquestraram atentados, distribuídos como "dever de casa" para cada favela sob o seu domínio. Como a cidade é praticamente toda cortada por favelas, seria possível semear o caos em doses aleatórias, tornando difícil o trabalho da polícia. Mas, suas ligações com o exterior dos presídios estavam sendo monitoradas e, no presídio de Cantanduva, no Paraná, em cartas de presidiários interceptadas foram encontradas instruções para sabotar o ato de criação de uma UPP, possivelmente no Complexo do Alemão, além de outros atos de terrorismo urbano capazes de prejudicar por tabela eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016! Aí, o seu grande erro! Ao fazer isto, mexeram com pessoas e entidades que planejam faturar milhões com estes eventos, desde empreiteiras e políticos até aos gigantes da mídia televisiva!
Meu palpite é de que foi isto que causou esta súbita mudança de atitude, que a TV quer nos convencer de que foi uma "conscientização coletiva da população", quando na verdade foi obra de poucas mas poderosas pessoas e entidades que não admitem que seus interesses sejam prejudicados! Ainda bem que, neste caso, isto ainda pode ser útil também para o povo.

 Soldados americanos hasteiam a bandeira em Iwo Jima, em 1945
Policiais do CORE hasteiam a bandeira no Morro do Alemão, em 2010
(Foto: Jornal Extra - Rio)

Mas, os bandidos, acuados, estavam no grande Complexo do Alemão. Agora com ajuda mais acentuada das forças armadas, começou o cerco à comunidade, bem maior do que a de Vila Cruzeiro. A segurança do perímetro ficou ao cargo de aprox. 800 homens da Brigada Paraquedista do Exército, e com mais carros de combate do exército, além dos da Marinha já presentes no local. A Polícia Federal também se envolveu, e a Força Aérea contribuiu com helicópteros Super Puma para cobertura aérea. Às 08:00 h de domingo, com a chegada de um helicóptero blindado da PM, começou a invasão do Complexo do Alemão. Mas, a resistência novamente foi bem menor do que o esperado. Apesar de alguns tiros disparados a esmo pelos bandidos, logo as forças policiais chegaram ao centro do complexo e asseguraram o domínio da comunidade. Alguns bandidos foram feridos e presos em escaramuças, outros se entregaram, mas aqueles mais de 200 que vieram da Vila Cruzeiro e os tantos outros que devem existir no próprio complexo não apareceram. Ou escaparam, furando o bloqueio dos paraquedistas, o que é difícil para tantos homens, ou continuam lá, escondidos entre os moradores locais, como hóspedes não convidados.
Num prédio mais elevado, foram espetadas as bandeiras do Brasil e  do Rio de Janeiro, como foi feito em Iwo Jima com a bandeira americana, enquanto ainda haviam japoneses enfiados nas cavernas da ilha.
Esperemos os próximos atos desta epopéia.
Só o futuro dirá se a data de 25 de novembro será o marco de uma virada na história desta cidade...

8 comentários:

  1. Leonel,
    Como sempre, o texto está impecável, enxuto, informativo e analítico.
    Quanto à analogia com a tomada de Iwo Jima, eu prefiro comparar com a "tomada" do Iraque, quando Bush posou de vencedor num porta-aviões depois de terem ocupado Bagdad. Depois daquela papagaiada do Bush morrerram muitos mais soldados americanos que antes.
    Aí no Rio, como não prenderam ninguém de um número estimado de 400 traficantes, pode apostar, a "guerra" apenas começou, agora os bandidos vão se reorganizar e, a exemplo dos Iraquianos, vão causar muitas "baixas" ainda. Sou cético em acreditar que as autoridades resolveram o problema nesses morros ocupados, acho que apenas adiaram e deram aos traficantes um motivo para se organizarem melhor. Abraços, JAIR.

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  2. Jair, sinceramente eu espero que desta vez, as coisas vão ser feitas de forma diferente, já que há interesses em jogo...
    Eu destaquei que os bandidos que vimos ainda devem estar ali, diluídos na população, da qual aliás eles fazem parte. Neste momento, mais de 200 policiais e militares estão fazendo o mais difícil: o pente fino, entrando de casa em casa. Entre mais de 50 toneladas de maconha e mais de 250 kg de cocaína, armas, munições, dinheiro e bens, os prejuízos do tráfico estão até agora estimados em 100 milhões de reais! E apenas começaram as apreensões! O único erro que não deve ser repetido é o de depois de tudo, abandonar novamente o local. Aliás, foi esta mudança de política que incomodou os bandidos e os levou a estes atos desesperados: a ocupação permanente, a presença do estado no dia-a-dia das comunidades. As crianças não verão mais como heróis e modelos aqueles marginais covardes que correram apavorados e humilhados! Parte da população das favelas está quebrando a "lei do silêncio" e denunciando esconderijos de drogas e armas. E isto é que foi inédito, neste caos urbano onde os valores até agora estavam invertidos! O momento é muito favorável e pode ser um marco, se as autoridades não deixarem fugir esta oportunidade única!

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  3. Sabe, acabei de assistir o "jornal hoje" e desde ontem já estava com as imagens gravadas na cabeça. Num primeiro momento a sensação foi de alívio e gratidão pelos cariocas e por todos nós brasileiros. Depois veio um incômodo que não compreendia... como quando estamos montando um puzzle e a gente percebe, mas não localiza de imediato, "a(s)peça(s)que está(ão)fora de lugar...e hoje lendo seu texto e o comentário do Jair, veio um insight entristecido: não é tão simples assim! Há muito interesse em jogo... Mas, como sou uma esperançosa inveterada, crente de nascença, quero crer que tudo que escreveu e respondeu acima se faça realidade duradoura dessa oportunidade única!!!
    Beijuuss n.c.

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  4. - Toda a operação parece ter sido minuciosamente planejada, com meses de antecedência, aguardando apenas a melhor oportunidade para um contragolpe desse porte. Não é fácil alcançar o entrosamento entre polícias e forças armadas numa ação improvisada. E o papel da inteligência foi fundamental.
    - E agora, vamos assistir ao espetáculo dos políticos assumindo as glórias, enquanto a polícia e as forças armadas continuam em silêncio o bom trabalho que vêm fazendo - finalmente! - nas áreas carentes da metrópole.

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  5. E o salário, óóóó!
    Nem vou falar dos militares, mas da polícia, que tem que encarar chumbo todos os dias, numa zona de guerra como é o Rio há muito tempo! Isto também tem que ser pensado! Eles não querem medalhas nem apertos de mão, querem poder pelo menos poder morar em lugares decentes.

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  6. Eu comemoro ao menos essa atitude, concordando que só ocorreu porque atingiu os interesses de alguns. Torço muito pra que não seja apenas um show e que esse show logo tenha fim, fazendo com que se perca o interesse em arrumar a casa de verdade.

    Fiquei um tanto triste hoje, ao ver um telejornal em que se mostrava atitudes de alguns policiais agindo contra a população, dentro de suas casas. A ideia não é que a população volte a confiar na polícia? Assim será possível, com alguns manchando o trabalho tão bem feito que vem sendo feito nos últimos dias?

    Tomara que sejam casos isolados, que sejam apurados e que aquele povo não acumule mais desgosto.

    Postagem perfeita, moço.
    Beijos.

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  7. Milene, infelizmente, como você viu, saíram mais de 200 bandidos da Vila Cruzeiro. Foram para outra comunidade maior onde se estima já haverem mais de 400! Eles não estão lá de passagem. Moram lá, pois pertencem à famílias locais. Assim, é certo que deixaram armas e drogas nos lugares onde moravam. Em vista dos fatos recentes, só dá para agir com lei marcial, atropelando os direitos que as pessoas gozam numa situação normal. É impossível saber pela cara quem guarda armas ou drogas em casa, só revistando, e nem todos estão dispostos a cooperar, até porque alguns são muito próximos dos bandidos. Por outro lado, a polícia nem sempre tem o tato necessário para lidar com a população destes locais, onde já existe uma antipatia antiga entre ambas as partes. Como eu já disse, ovos terão que ser quebrados para que saia a omelete...

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  8. Olá Senhor Leonel!
    Estou-o seguindo, gosto muito de história e vc está de parabéns.
    Me siga em meus blogues, vá até aos stios:

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