Uma vez, o meu amigo blogueiro Jair (Um Blog Que Pensa) emitiu uma postagem onde relacionava a beleza e a simetria nas formas. Chegamos a debater o assunto e eu pus essa idéia em dúvida, acabando esmagado pela embasada argumentação do autor.
Mas, parece que, em 1937, ninguém tinha avisado sobre isto ao engenheiro e projetista alemão Richard Vogt. Pois este ilustre cidadão do Reich projetou uma das aeronaves mais incomuns de que temos notícia. O que mais chamava a atenção era o fato do avião, em sua versão final, ser totalmente assimétrico!
Aqui vai um resumo da história do Blöhm Und Voss BV-141, uma das aeronaves de aparência mais estranha que já voaram nos céus deste planeta.
No ano de 1937, o Reichsluftfahrtministerium (RLM), o ministério da aeronáutica do Reich, apresentou aos fabricantes de aeronaves Arado e Focke-Wulf as especificações para um avião de reconhecimento de curto alcance, que também pudesse desempenhar as funções de bombardeiro leve, ataque rasante e dispensador de cortinas de fumaça. As especificações requeriam uma aeronave para três tripulantes, com uma cabine de ótima visibilidade, e potência de 850 a 900 hp para decolagem.
O aspecto da série final do BV-141, com o motor BMW 801 e o conjunto estabilizador/profundor totalmente assimétrico. Não parece que está faltando algum pedaço? (Foto: Arquivo Nacional da Alemanha.)
Em função de tais especificações, a Arado construiu o mal sucedido Ar-198, apelidado "aquário voador", por possuir áreas transparentes por cima e por baixo da cabine, enquanto a Focke-Wulf aprontava o elegante FW-189. A Hamburg Flugzeugbau não foi convidada a participar da concorrência, mas seu diretor técnico, engenheiro Richard Vogt, assumiu bancar um projeto paralelo por conta própria.
Embora não fosse estipulado nas especificações que a potência total deveria estar em apenas um motor, a maioria dos projetistas da época não pensava atender as exigências do projeto com mais de um motor. Vogt, particularmente, julgava que com um projeto monomotor assimétrico, teria uma cabine o mais desobstruída possível, e ainda poderia compensar os efeitos negativos do torque, presentes em todos os aviões monomotores.
As autoridades aeronáuticas não ficaram nem um pouco entusiasmadas com o esquisito projeto, designado Ha-141, mas Vogt conseguiu sensibilizar Ernst Udet, recém nomeado chefe da Seção de Desenvolvimento do Departamento Técnico da Aeronáutica. O projeto de Vogt afinal foi aceito na concorrência e recebeu financiamento oficial.
O protótipo voou em 25 de fevereiro de 1938 e apresentou excelentes características de maneabilidade e uma ótima visibilidade, exceto pelo lado esquerdo, onde ficava a nacele do motor. O motor era um BMW 132N, desenvolvendo 865 HP ao nível do mar e 960 HP a 3.000 m. Seu armamento defensivo consistia em duas metralhadoras MG 17 de 7.9 mm fixas dianteiras e outra móvel em um montante flexível na traseira da cabine. Tinha cabides para até 4 bombas de 50 kg e era equipado com uma camera automática. Suas velocidades máximas eram de 340 km/h ao nível do mar, 410 km/h a 3.778 m, e a velocidade de cruzeiro era de 375 km/h a 4.474 m. Seu alcance máximo era de 1.170 km e o seu teto máximo de 8.948 m. (Os alemães utilizavam o sistema métrico decimal.)
Em função do excelente desempenho do protótipo, as autoridades tiveram que "engolir" o estranho avião e foram feitas encomendas de mais cinco aparelhos de pré-produção, para mais ensaios operacionais. Mas, aí começaram os problemas: o ponto falho do projeto nada tinha a ver com a aparência do avião, mas ficava no seu sistema hidráulico, que acionava os flapes e o trem de pouso. Dois protótipos sofreram acidentes com o trem de pouso, o que atrasou o início dos testes operacionais. Mas, os testes foram afinal iniciados em abril de 1940. A esta altura, a Hamburg Flugzeugbau havia passado a se chamar Abteilung Flugzeugbau, fora incorporada ao estaleiro Blöhm Und Voss, e o avião passou a se chamar BV-141.
Os relatórios dos ensaios eram favoráveis, mas as autoridades tinha clara antipatia pelo projeto, motivados pela sua estranha aparência. Buscaram uma falha para rejeitar o avião, e o motivo apresentado foi a falta de potência. Mas Votg não se deu por vencido e já trabalhava numa nova versão do esquisito avião, desta vez equipado com o potente motor BMW 801 (o mesmo usado no caça FW-190A). Com 14 cilindros em estrela e refrigerado a ar, este motor fornecia até 1.560 HP na decolagem, e os números de desempenho da aeronave foram incrementados, mas isto também implicou em um redesenho completo da sua parte estrutural. O novo protótipo voou em janeiro de 1941, e já se estudava a compra de mais 5 protótipos e 10 aparelhos de pré-produção.
Porém, as modificações feitas em função do novo motor acabaram alterando negativamente as boas características do avião. Vibrações e esforços estruturais excessivos foram detectados, os ailerons se tornaram muito sensíveis, enquanto os problemas hidráulicos permaneciam. Para melhorar o campo de tiro do artilheiro de cauda, o conjunto estabilizador horizontal/profundor tornou-se também assimétrico, tornando a aparência do avião ainda mais insólita. Os ensaios operacionais prosseguiram. Estava em formação uma unidade experimental para operar os primeiros aviões na frente oriental.
O Focke-Wulf FW-189: a mesma cabine, em um design mais equilibrado e elegante. (Foto: THE WARPLANES OF THIRD REICH - William Green, Mc Donald-London, Ed. 1972)
A essa altura, porém, já se iniciara o ano de 1943, o menos problemático (e menos esquisito) FW-189 já estava em estágio bem mais adiantado, e 80% das instalações da fábrica Blöhm Und Voss estavam alocadas para a produção das aeronaves FW-200, uma vez que a sua linha de montagem na Focke-Wulf fora seriamente danificada por ataques aéreos aliados.
Tudo concorria contra o BV-141, e assim, para frustração de Richard Vogt, seu projeto foi definitivamente cancelado. Mas, este não foi o único projeto estranho da engenharia aeronáutica do III Reich.
Pois é, Leonel,
ResponderExcluirO teu texto poderia se chamar "O feio que voava", sem qualquer demérito para o BV-141 e para teu excelente relato dessa anomalia aeronáutica. Certamente a assimetria geométrica devia resultar em algum ganho em simetria aerodinâmica, senão o Vogt não teria criado essa tão insólita aeronave. Abraços e parabéns, JAIR.
- O Jair já deve ter segurado em suas próprias mãos um aparelho totalmente assimétrico, mas com características aerodinâmicas revolucionárias. Refiro-me ao bumerangue australiano, tanto mais notável por ter sido inventado por aborígines primitivos.
ResponderExcluir- Lembrando que a própria natureza, com as plantas anemófilas, nos dá inúmeros exemplos de assimetrias aerodinamicamente bem-sucedidas.
- Parabéns, Leonel... mais uma na caçapa. Abraços.
Realmente, tenho um "boomerang" autêntico que trouxe da Austrália. Não tem o charme desses encontrados em lojas, mas, surpreendentemente, "voa" como gente grande, desde que arremessado com a técnica correta, aquela que os aborígenes só ensinam para uns poucos iniciados. Tive oportunidade de ser iniciado por um nativo da região norte de Queensland, cujo nome é Woolong.
ResponderExcluirMe senti a própria ET nessa conversa de vocês mininus rsrs Foram todos pilotos da aeronáutica? Essa postagem histórica vou enviar para um sobrinho, que é apaixonado por aviões...
ResponderExcluirBeijuuss n.c.
Rê
www.toforatodentro.blogspot.com
Barcellos e Jair: realmente, a assimetria estática deste avião visava sua simetria aerodinâmica. E o bumerangue é um bom e raro exemplo de uma assimetria aerodinâmica que funciona com um propósito definido.
ResponderExcluirDesculpe, Regina,pelo "aeronautiquês". É que passamos grande parte de nossas vidas ao lado ou dentro de aviões e aprendemos a ama-los como nossos pássaros de estimação.
Abraços a todos!
rsrsr concordo com a Rê.. me perdi todinha.
ResponderExcluirrsrsr vim agradecer pela visita Leonel uma boa noite. bom domingo..
oi
ResponderExcluirlindo seu blog
seguindo vc
belo domingo pra ti
Uma aula diferente. Gostei Bjs
ResponderExcluirAgradecimentos a todos pelas visitas!
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