FRASE:

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"Se deres um peixe a um homem, vais alimenta-lo por um dia; se o ensinares a pescar, vais alimenta-lo a vida toda."

(Lao-Tsé, filósofo chinês do séc. IV a.c.)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

HISTÓRIA: O "CASEY JONES" DA CORÉIA

No filme Raposas do Espaço (The Hunters-1958), Robert Mitchum é o Maj. Saville, um veterano piloto de caça que chega à Coréia para participar do conflito, pilotando um caça F-86 Sabre contra os MiG-15 dos comunistas. Ao chegar, fica sabendo pelo comandante do seu esquadrão, um velho amigo, que um piloto inimigo anda fazendo estragos nas fileiras americanas. Eles o apelidaram “Casey Jones”. Nas cenas em que aparece, Casey Jones é um oriental. Seu MiG-15, pintado de azul-celeste, ostenta o número 7-11 e a figura de dois dados no costado. Na cena principal do filme, o major Saville (Mitchum) trava um eletrizante combate aéreo com o hábil inimigo e, é lógico, acaba por abate-lo.

 "Casey Jones" no filme Raposas do Espaço: um F-84F faz o papel do MiG-15.

O que pouca gente sabe é que filme teve inspiração num personagem real, e o final da história não foi como o do filme. No encontro de uma verdadeira trinca de ases, Casey Jones não levou a pior, como veremos a seguir.
Em 24 de junho de 1951, durante um confronto entre um grupo de F-86 e MiG-15, uns 30.000 pés de altitude sobre a margem meridional do rio Yalu, o Tcel. americano Bruce Hinton, comandante do 336º Esquadrão da 4ª Ala de Caças, se aproximava de um desprevenido MiG, prestes a obter sua 3ª vitória. Ele fora o primeiro piloto americano a abater um MiG naquela guerra. Mas, subitamente, viu cruzar à sua frente outro F-86, perseguido por um MiG-15, que o alvejava com seu temível canhão de 37 mm.
Hinton viu pedaços se desprenderem do F-86, que já soltava fumaça. Ele então partiu em direção ao MiG, que percebendo sua manobra, abandonou seu alvo e voltou-se para ele, fazendo uma passagem frontal e passando tão perto do seu avião que ele viu a iminência de uma colisão.
O piloto americano executou uma série de manobras de alto G, que seu próprio ala não conseguiu acompanhar, por ter entrado em blecaute (*), apesar do traje anti-G. Mas, após completar mais um círculo completo, e duas manobras “io-iô”, conseguiu disparar duas rajadas curtas atingindo o MiG. Percebendo estar em desvantagem, o habilidoso inimigo  guinou rapidamente e cruzou o rio Yalu, indo para a zona de exclusão, onde os americanos não podiam persegui-lo, por força de acordos internacionais.

Bruce Hinton: socorrendo seu amigo Eaglestone, esteve a pique de abater o lendário "Casey Jones". Robert Mitchum teve mais sorte...(Foto: LIFE)

Hinton então escoltou o F-86 danificado até ao aeródromo de Suwon, onde o mesmo fez um pouso de barriga e o avião foi para a sucata. Só então Hinton ficou sabendo que tinha salvado a vida de seu amigo Glenn T. Eaglestone, comandante da 4ª Ala de Caças. Eaglestone era um ás da II Guerra, onde abatera 18 aviões alemães com seu P-51. Estava na Coréia há seis meses e já abatera dois MiGs. Para pegar um ás assim experiente, só mesmo sendo alguém do mesmo nível.

Eaglestone, à esquerda do quadro, quando servia na 364ª Fighter Wing, na II Guerra, dando briefing diante de seu P-51 bastante decorado, já com 18 vitórias marcadas na fuselagem.(Foto:História Ilustrada da 2ª Guerra Mundial, Vol. 22: P-51 Mustang.)

Nas palavras de Hinton: “ O piloto do MiG era muito bom! Ele ficava bem no alto, observando os engajamentos entre MiGs e F-86. Esta era uma tática já conhecida, usada por este piloto solitário, que apelidamos CASEY JONES. O velho Casey era um piloto excepcional, e sem dúvida, não era um oriental. Seu procedimento era ganhar velocidade, enquanto mergulhava sobre algum F-86 que ficasse isolado durante o combate, como fazia Von Richthofen na I Guerra”. 
No folclore americano, Casey Jones foi um lendário maquinista da chamada era dourada das ferrovias americanas. Dizem que ele costumava subir no topo da sua locomotiva para observar se a ferrovia estava desimpedida, a tempo de poder parar se houvesse algum problema. Os americanos viram alguma semelhança na atitude do ás inimigo, que ficava “no topo” sobre o combate, procurando uma presa desgarrada. Por isso, o apelidaram Casey Jones.
Mas, afinal, quem era este "Casey Jones" da Coréia? Como achava Hinton, ele não era mesmo um oriental. Tratava-se do capitão Nikolai Vasilievich Sutyagin, que fazia parte do 17º Regimento da 303ª Divisão de Caças da Força Aérea Soviética.
Sutyagin, o verdadeiro "Casey Jones" da Coréia: melhor que o do filme, foi o maior ás da guerra. Nesta foto, usando um uniforme chinês, sem insígnias nem crachás, como era usual entre os "Honchos". (Foto: Arquivos da Força Aérea Russa.)

Filho de camponeses, ingressara na força aérea soviética nos últimos meses da II Guerra Mundial, e participou da breve campanha final contra o Japão. Durante ao conflito coreano, foi um dos "Honchos" (veja mais aqui), pilotos russos que lutaram incógnitos a favor da Coréia do Norte. O veterano ás americano Eaglestone foi sua 4ª vítima na Coréia, e ao final de seu turno, ele havia alcançado 21 vitórias, a maioria delas confirmadas, tornando-se o maior ás da guerra.
Em outubro de 1951, foi agraciado com a medalha de ouro de Herói da União Soviética, a mais alta condecoração da U.R.S.S. Durante sua carreira, recebeu ainda a Ordem de Lenine, e por três vezes a Ordem da Bandeira Vermelha, e a Ordem da Guerra Patriótica de 1ª Classe, além de outras menos importantes, totalizando 16 condecorações.
De volta à Rússia, Sutyagin fez cursos de aperfeiçoamento e subiu na carreira militar, tendo alcançado o posto de major-general e passado para a reserva em 1978. Faleceu em 12 de novembro de 1986, aos 63 anos.
Bruce Hinton, que foi para a reserva como coronel, morreu em 27 de junho de 2009, três dias antes de completar 90 anos.

(*) Blecaute - No jargão da aviação militar, é a perda momentânea dos sentidos, devido à fuga do fluxo sanguíneo do cérebro, por ação das chamadas forças G, causadas pela aceleração inercial em manobras acentuadas. Também é chamado G-LOC (da sigla em inglês G-force induced Loss Of Consciousness, perda de consciência induzida por força G). Os pilotos de jatos de combate costumam usar um traje especial, que comprime os membros inferiores, para amenizar os efeitos das forças G.  Mas, na Coréia, consta que os soviéticos ainda não faziam uso deste equipamento.

7 comentários:

  1. Mas um interessante episódio da guerra da Coreia que, tenho cereza, vai parar no seu 1º livro. Texto enxuto e informativo, parabéns.

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  2. YESSSS!!!! A história bacanérrima me inspirou a vencer a guerra de me tornar sua perseguidora!rsrs
    Beijuuss n.c.

    www.toforatodentro.blogspot.com

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  3. Valeu, Regina!
    Nem Casey Jones segura você!
    Gracias!

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  4. - O Jair tem razão. Você está "construindo" um livro, e com minha "profunda" experiência no assunto, digo que vc acaba de atingir a V2, e não tem mais como evitar a decolagem. Acho que o Jair concorda.
    - Mas que aula, amigo! Vc e o Jair estão disputando o prêmio de "ases em operações de resgate da História", e a gente é que ganha com isso... Parabéns!

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  5. Eu fui na onda de vocês quanto ao blog, e acabei gostando, mas nessa eu não caio!
    Livro, eu já acho muita areia pro meu caminhão!
    Mas, valeu a tentativa!
    Agradeço a vocês!

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  6. Nossa, só tem fera aqui. Moço, te lendo a impressão é estar vendo o filme, o filme verdadeiro como de fato ocorreu e você brilhantemente nos contou.

    Que bom que os meninos o atraíram para a blogosfera. Por favor, não saia jamais!

    Cuidado com a Regina, é uma perseguidora velocíssima! (amoooooo...)

    Beijos.

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  7. Milene, eu nem sabia que uma das coisas boas de blogar era compartilhar ideias e lembranças com pessoas como você.
    Volte sempre!
    Abraços!

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