Porto Alegre - 1950: Um mundo diferente, onde o tempo se arrastava com preguiça, e as mudanças custavam a chegar. É desta época que recordo as minhas primeiras noções do ambiente que me cercava.
O mundo que estava ao meu alcance não era muito vasto, terminava nas cercas do meu quintal, mas me permitiu as primeiras interações com este planeta. Naquelas tardes de verão tão silenciosas, eu ficava observando as formigas do meu quintal, na sua intensa e variada atividade, e imaginava se subindo no poste de ferro que havia na calçada eu poderia avistar o tal Rio de Janeiro de que tanto falavam. De vez em quando, um DC-3 passava bem sobre a minha casa, trem de pouso embaixo, a caminho da cabeceira do aeroporto. E eu o acompanhava com os olhos até que ele saisse da minha vista.
As notícias chegavam durante o dia pelo rádio, nas edições do Repórter Esso, onde, após uma musiquinha característica, entrava um locutor de voz exaltada, fazendo parecer que só falava sobre coisas urgentes. E eu ficava brincando e sonhando, até sentir o cheiro familiar do café da tarde e dos bolinhos de chuva que minha mãe fazia às vezes para acompanhar. Mas, em lugar dos bolinhos, cabia até uma boa fatia de pão d'água (hoje chamam francês) com schmier de uva, morango ou goiaba.
O mundo que estava ao meu alcance não era muito vasto, terminava nas cercas do meu quintal, mas me permitiu as primeiras interações com este planeta. Naquelas tardes de verão tão silenciosas, eu ficava observando as formigas do meu quintal, na sua intensa e variada atividade, e imaginava se subindo no poste de ferro que havia na calçada eu poderia avistar o tal Rio de Janeiro de que tanto falavam. De vez em quando, um DC-3 passava bem sobre a minha casa, trem de pouso embaixo, a caminho da cabeceira do aeroporto. E eu o acompanhava com os olhos até que ele saisse da minha vista.
As notícias chegavam durante o dia pelo rádio, nas edições do Repórter Esso, onde, após uma musiquinha característica, entrava um locutor de voz exaltada, fazendo parecer que só falava sobre coisas urgentes. E eu ficava brincando e sonhando, até sentir o cheiro familiar do café da tarde e dos bolinhos de chuva que minha mãe fazia às vezes para acompanhar. Mas, em lugar dos bolinhos, cabia até uma boa fatia de pão d'água (hoje chamam francês) com schmier de uva, morango ou goiaba.
O presente que eu nunca ganhei: o Poliopticon, da DF Vasconcelos, era um kit que permitia montar microscópio, luneta e binóculos.
E à noite, meu pai chegava do trabalho trazendo o exemplar diário da Folha da Tarde, o seu tablóide vespertino preferido. Ele sentava num canto da cozinha e então lia para minha mãe as principais notícias do dia, enquanto ela preparava o jantar, que era servido habitualmente lá pelas 20:30. Meu pai era o nosso "ancora" particular, comentarista e analista, num telejornal ao vivo, a cores e em 3D! E a cozinha era seu estúdio. Se fosse no inverno, era o melhor lugar da casa, o único aquecido.
Naquela época não existiam:
Aerosol
Aparelhos transistorizados
Astronautas (a não ser nas histórias em quadrinhos)
Calculadoras eletrônicas
Canetas esferográficas
Carros nacionais
Cartões magnéticos
Copiadoras Xerox
Fitas cassete (Ainda existem?)
CDs e DVDs
CDs e DVDs
Garrafas de plástico
Jatos de transporte
Ligações DDD-DDI (Até o telefone era um aparelho raro).
Microcomputadores : Os raros computadores existentes no mundo necessitavam um prédio inteiro para conter seus componentes e eram chamados de cérebros eletrônicos, mas eram conhecidos por poucos. Só alguns anos mais tarde começaram a aparecer com o nome de computadores, mas nas histórias em quadrinhos de terror (era em tais revistas que apareciam as histórias de ficção científica, denominação ainda inexistente).
Relógios eletrônicos
Rock and Roll
Satélites artificiais
Som estéreo
Tecnologia laser
Televisão
Transplantes de órgãos
Naquela época...
A coisa mais parecida com um aerosol que havia era a chamada “máquina de flit”, uma bomba manual de êmbolo que ejetava um fino jato de insecticida (a marca mais popular era Flit, daí o nome. Depois surgiu a marca Detefon).
Os rádios, única tecnologia eletrônica que havia no lar (não em todos) utilizavam válvulas, pois ainda não havia semicondutores na vida das pessoas comuns. A gente ligava e aguardava um tempo até as válvulas acenderem, aquecerem e então o aparelho começava a falar.
Sonho de consumo dos jovens: uma "Rádio-Victrola" de mesa com toca-discos automático de 78 rpm já daria para animar as reuniões-dançantes no fim de semana, depois de arredar os móveis da sala.
Sonho de consumo dos jovens: uma "Rádio-Victrola" de mesa com toca-discos automático de 78 rpm já daria para animar as reuniões-dançantes no fim de semana, depois de arredar os móveis da sala.
Para se fazer uma ligação para outra cidade, quem não tinha telefone próprio (a maioria, pois o número de linha instaladas era muito baixo) tinha que ir até uma central telefônica e aguardar até ser chamado para uma das cabines, onde recebia a conexão já feita.
Depois, pagava uma boa grana pela ligação.
Nada havia saído da Terra e permanecido no espaço. Astronautas, só Flash Gordon e Buck Rogers. Falava-se na possibilidade de viajar à Lua e em colocar um satélite artificial em órbita, mas eu me perguntava para que.
Viagem à Lua? Só em anúncio de relógio...
As únicas calculadoras eram grandes e pesadas, dotadas de manivelas, usadas pelas casas comerciais mais bem estabelecidas, e mostravam o resultado em um mostrador tipo odômetro. Algumas eram ainda maiores e elétricas, e imprimiam os passos da operação em uma fita de papel. O bodegueiro árabe da venda da esquina fazia as contas em um papel de embrulho, com um lápis de traço grosso.
Canetas-tinteiro como a Esterbrook e a famosa Parker 51 eram o que havia de melhor no ramo da escrita, mas não estavam ao alcance de qualquer um.
As crianças em geral usavam lápis na escola. Só em casa as anotações eram passadas a limpo, com a caneta-tinteiro do pai, se não tivesse a sua própria (como era o meu caso). As canetas-tinteiro levadas para a escola, geralmente por ocasião das provas, eram uma constante fonte de problemas, como vazamentos, entupimentos, dedos e cadernos manchados, falta de tinta e guerras de esguichos (com consequências fatais para os uniformes escolares). Se fossem levadas em aviões, ou mesmo em viagens terrestres para locais serranos, o vazamento era certo, devido às variações da pressão atmosférica.
Os carros eram privilégio de poucos e eram todos importados: Chevrolets, Fords, Buicks, Cadillacs e Pontiacs para os mais ricos e Studebakers, Austins, Prefects e Citroens para os menos dotados. O contraste entre aqueles e os últimos era gritante. Os Citroens e Austins pretos não eram muito fascinantes, mas eram a única opção possível para muita gente.
Os Austin ingleses, sempre pretos (como a maioria dos carros) não eram muito atraentes. Já o Ford 49 era o meu preferido. Lindo!
Os Austin ingleses, sempre pretos (como a maioria dos carros) não eram muito atraentes. Já o Ford 49 era o meu preferido. Lindo!
Os cartões magnéticos de crédito ou bancários, nem nos filmes de ficção científica eram previstos.
As únicas cópias eram as chamadas popularmente de fotocópias (oficialmente cópias heliográficas), caras, de baixa qualidade, pouco difundidas e de pouca aceitação. Geralmente, tirava-se a segunda via dos documentos em cartórios.
Os gravadores de fitas eram aparelhos praticamente profissionais. Só no final da década surgiram os aparelhos populares, assim mesmo raros e importados.
A televisão só chegou nos pampas em dezembro de 1959, quando começaram as transmissões da TV Piratini, dos Diários Associados. E a programação diária só começava lá pelas 4 ou 5 horas da tarde!
O plástico, frágil e rígido, só era mesmo usado em brinquedos, e era chamado "matéria plástica".
Os jatos de transporte só surgiram no Brasil no final da década de 50, quando a VARIG adquiriu os Caravelle franceses e mais tarde, os primeiros Boeing 707.
PANAIR e VARIG, além da REAL AEROVIAS, disputavam passageiros para os seus luxuosos Lockheed Constellation. Depois, a VARIG pularia na frente, trazendo o jato francês Caravelle.
Um dia, entrei nas páginas de um gibi, peguei uma máquina do tempo e regulei o mostrador para o ano 2010! Ih! Será que ainda ia ter mundo? Diziam que o mundo já acabou uma vez em água, com o dilúvio, e que agora, iria acabar em fogo, e o ano fatídico seria 1999! Será que eu iria encontrar ainda alguma coisa, depois do Juízo Final?
Que nada! A máquina não era das melhores, viagem foi meio demorada, durou mais de 50 anos, mas cheguei e... quanta coisa diferente! Todos tem telefone, até mesmo portátil, e como são pequeninhos! Tem tantos carros como eu nunca vi, nem cabem nas ruas! Assim não vale! Eu queria ter carro era em 1950, quando as ruas eram vazias, só para os sortudos que tinham carro! E estas máquinas de escrever com tela de TV, onde aparecem maravilhas! A gente pode até falar e ver com quem está falando, ou fazer compras sem sair de casa! Isto nem eu imaginava! Não precisa mais cortar lenha para por no fogão e fazer o almoço! E tem até comida já pronta no supermercado!
Em termos de sonhos alguma decepção! Ainda nem chegamos a Marte! Não tem naves viajando para todos os planetas, nem robôs inteligentes trabalhando nas casas e falando com a gente! Ainda não fazem teletransporte! Ainda não acabamos com as guerras!
Em termos de conforto, a vida de hoje nos oferece muito mais. Em compensação (como diz o JCL, não tem almoço grátis) nunca vi tanta gente estressada, nem tanta devastação na natureza! O espaço em torno da Terra está atulhado de lixo espacial! As calotas polares são cada vez menores, para desespero dos pobres ursos! Tem uma área do Oceano Pacífico à oeste do Havaí que se transformou no maior lixão aquático do mundo, uma tristeza!
E agora? Voltando ao passado não dá para tentar mudar o curso dos eventos, pois todas as vezes que eu vi tentarem isso nos livros e filmes, o tiro saiu pela culatra!
Talvez, se eu der um pulo até 2130...
Amigos, acho que este blog vai dar um tempo...Abraços!
(Todas as figuras apresentadas nesta matéria foram digitalizadas pelo autor, a partir de anúncios publicados em exemplares da revista Seleções do Reader's Digest de sua coleção particular.)
É meu amigo, recordar pode dar origem a um texto como este: Ótimo. Ao ler parecia que eu estava recordando minha infância. Será que todos nós pobres tínhamos uma vida igual? Acho que sim. Até "Seleções" era minha leitura obrigatória, pois meu pai, apesar de quase analfabeto, era um grande leitor e assinava essa revista. Só senti falta de um termo no teu texto: Galalite. Abraços, JAIR.
ResponderExcluir- Com 8 anos, de braço quebrado, ganhei de meu pai um Poliopticon... maravilha de "máquina"... porque aquilo não era brinquedo!
ResponderExcluir- O leite vinha em latões, no lombo de burros, as tanajuras infestavam o céu em novembro, assim como os balões em junho...
- O rádio nos trazia Jerônimo, o Herói do Sertão, Radar, o Homem do Espaço e as aventuras do detetive Anjo... sem falar nas "Histórias do Tio Janjão"!
- Melhor parar... há limites para comentários.
- Mas volte logo do recesso, tá? O Asteróide faz falta!
- Quero dizer, volte antes de 2130...
ResponderExcluirAmigos, minha viagem temporal foi adiada indefinidamente.
ResponderExcluirMotivo: a máquina, que já não era "essas coisas" deu prego de vez! Só consegue no máximo, me transportar para o momento seguinte!
Parece que o último salto acabou com ela! Eu pensava que no século 21 já tivessem máquinas do tempo melhores que essa cangalha!
Assim, continuamos em 2010 (por enquanto).
Com relação ao comentário do Jair, eu realmente não sei o que é Galalite.
ResponderExcluirQuando ouço a respeito deste período, lembro de seriados e filmes desta mesma época e tenho uma sensação de que, independente da situação financeira, se vivia com muito mais qualidade. Apesar de achar as modernidades muito boas, creio que no fundo elas nos tiram a privacidade e a tranquilidade. Já desejei ter nascido nesta época por vários motivos....mas estou nesta de maneira quase pública e estressada! Bjs
ResponderExcluirKarin, por melhor que eu possa viver hoje em dia, jamais poderei ter de volta a inocência e a sensação de segurança e aconchego que eu sentia naquela época.
ResponderExcluirDaí a nostalgia por aqueles tempos...
Estou com 50 anos redondos e, portanto, numa condição muito peculiar: ter um pé em duas dimensões tecnológicas e existenciais. Assim, tem um lado meu que nasceu e viveu até os 11 anos de idade em Florianópolis SC, quando poucos eram os lares que dispunham de fogão a gás (a maioria era a lenha), não havia emissora local de TV (você sintonizava uma de Blumenau e a outra, de Porto Alegre, ambas com oscilações tremendas em função a fatores meteorológicos, sendo frequente inclusive a TV virar um rádio, quando o som era captado mas as imagens não), a BR-101 era toda de terra ainda e de asfalto só depois de Curitiba pela 116... minha mãe, diretora de faculdade, dispunha de um lindo Aero-Willys pretão oficial chapa branca com motorista e tudo; mas, pra ter seu 1.o carro, um Fuque (fusca) 1966 de 6 volts de segunda-mão, teve que economizar durante muitos anos. Não precisou guardar a grana debaixo do colchão, depositava no banco, porém... sem direito a conta-corrente, que isso era coisa pra rico! Telefone, então, nem sonhar e, antes do sistema DDD, como você escreveu, a coisa era feita via telefonista, na central telefônica com muitas cabines. Ela entrava, pedia uma linha interurbana pra São Paulo, a gente passava uma eternidade esperando conseguir a linha. Mas, se o tempo estivesse muito ruim, diziam pra voltar no dia seguinte. Já minha outra dimensão, é esta aqui e a de vocês também: a gente estar conectado, blogando, usando sites de redes sociais, mandando mensagem pro Facebook ou Twitter pelo smartphone, etc. E me ferrei na hora de vender meu carro, porque, burramente, minha cabeça ainda está formatada pra noção segundo a qual, um *automóvel* é coisa pra você usar durante pelo menos 20 anos, de modo que sempre fiz uma manutenção impecável. Aí, na hora de vender, vê que não vale absolutamente nada, né? Tudo se desatualiza muito depressa hoje, tudo é feito para não durar, tudo é feito para ser jogado fora em pouco tempo. Tem uma coisa engraçada no encontro entre as águas entre estas tecnologias de duas épocas, que foi durante a popularização dos micro-computadores, na passagem dos anos 1980 pros anos 90. Assim: você comprava um computador sem placa de som nem placa de fax-modem (que já existiam), muitas vezes tb sem o "Winchester" (HD), sem drive de CD (que tb já existia), porque era absurdamente caro. Mas a mentalidade, ainda era a das Remingtons e Olivettis: você comprava, também, um conjuntinho de capas plásticas para proteger o monitor, a impressora e, pasmem, até mesmo o teclado! Proteção importante para calculadoras mecânicas e máquinas de escrever, que a gente usava pelo menos por 30 anos; mas ainda éramos ingênuos e não desconfiávamos que aquele computador, em pouco tempo, seria enconstado... outras atitudes do tipo (misturar hábitos de uso tecnológico de uma época com os de outra época), subsistem na própria forma, de dirigir automóvel: como, por exemplo, deixar o motor de um carro novo alguns minutos ligado antes de sair com ele, pra esquentar. Também sabemos dirigir de um modo mais econômico, por conta da Crise do Petróleo no início dos anos 70... ao mesmo tempo, também houve retrocessos. Os Boeings 737 de hoje, p.ex., são menos seguros que os primeiros que a Vasp começou a usar, no final dos anos 60: eram Boeings bem mais beberrões, porém com maior potência, e que enfrentavam com maior estabilidade as decolagens debaixo de chuvas fortes, raios ou trovões; enquanto que, nos EUA e outros países, a velocidade dos jatos comerciais caiu para algo como apenas 600 km/h, para economizar combustível. Isso era o mesmo que faziam os Convair 340 a pistão da Real Aerovias, e uma velocidade muito baixa, à dos jatos Caravelles e primeiros Boeigns 707, do final dos anos 1950, que voavam perto dos 1.000 km/h.
ResponderExcluirJoão Baptista, seu comentário já daria um ótimo post.
ExcluirEu mesmo usei as tais capinhas plásticas para impressora, monitor e teclado...
Você lembrou bem de alguns detalhes que marcaram aquela época e as diferenças na transposição para a atualidade...
O primeiro computador com HD (hard-drive) que eu tive foi um CP-500, da Prológica, um clone do TRS-80 da Tandy Radio shack!
Obrigado pela visita, dê uma olhada nos meus arquivos e volte sempre!
Abraços!