FRASE:

FRASE:

"Se deres um peixe a um homem, vais alimenta-lo por um dia; se o ensinares a pescar, vais alimenta-lo a vida toda."

(Lao-Tsé, filósofo chinês do séc. IV a.c.)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

FILME: AS PONTES DE TOKO-RI

Apenas mais um filme de propaganda da Guerra Fria ou um sutil filme-panfleto antibelicista?

Quem viveu nos anos que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial viu um mundo polarizado entre o comunismo da União Soviética e da China e o capitalismo dos EUA. A terceira guerra mundial parecia iminente e os filmes de Hollywood frequentemente eram usados a serviço da propaganda anticomunista.
Durante este período, os estúdios de Hollywood produziram uma série de filmes ditos “de Guerra Fria”, cujo conteúdo era clara propaganda, destinada a demonstrar quem estava certo na questão, enaltecendo o heroísmo e a abnegação dos militares dos EUA e o modo de vida americano, em oposição à rudeza dos métodos do regime comunista. Comandos do Ar (Strategic Air Command - 1955), Voando Para o Além (The McConnel Story - 1955), Estradas do Inferno (Jet Pilot - 1956), Sob o Domínio do Mal (Manchurian Candidate – 1962), Águias em Alerta (A Gathering of Eagles – 1963), Estação Polar Zebra (Ice Station Zebra – 1968),  foram alguns desses filmes (entre muitos outros), alguns com histórias às vezes até razoáveis, apesar de tendenciosas.
As Pontes de Toko-Ri (The Bridges at Toko-Ri - 1953), da Paramount, um dos meus  filmes preferidos, é ambientado na Guerra da Coréia, e se baseia no livro homônimo de James A. Michener (1907-1997), autor de várias obras de ficção e não ficção, algumas inspiradas nas suas viagens como correspondente de guerra na Marinha dos EUA, durante a II Guerra Mundial e na Guerra da Coréia.
No filme, como no livro, existe um cuidado em reproduzir o ambiente autêntico de um porta-aviões em operações, bem como os dramas e comédias pessoais que se passam com seus tripulantes.
Nancy (Grace Kelly) e Harry Brubaker (William Holden): a guerra atrapalhando uma vida familiar que parecia perfeita.

O personagem central da trama é Harry Brubaker (William Holden), Capitão-Tenente, aviador naval da marinha americana. Veterano da campanha do Pacífico na II Guerra, após o fim do conflito, foi desmobilizado, concluiu seus estudos e passou a exercer a advocacia, em Denver, no Colorado. Casou-se com Nancy (Grace Kelly), a linda filha de um senador e tiveram duas filhas. Porém, com a explosão do conflito na Coréia, os EUA interviram e ele foi reconvocado compulsoriamente para pilotar caças-bombardeiros navais, embarcado no fictício porta-aviões Savo.
Apesar de contrariado, Brubaker cumpre com bastante competência suas funções de piloto, e é visto com simpatia pelo comandante da força-tarefa, Contra-Almirante Tarrant (Frederich March), que vê nele as mesmas qualidades de seu próprio filho George, morto na Batalha de Midway, na II Guerra.

O CtAlm. Tarrant (March) questiona o Cap. Brubaker (Holden), que deixa bem claro que não está ali voluntariamente.

Mickey Rooney é o problemático piloto de helicópteros de resgate Mike Forney, que tem o crédito de ter recolhido diversos pilotos acidentados das águas geladas do Pacífico, inclusive o próprio Brubaker. Porém, é um sujeitinho esquentado e difícil, que só vive se metendo em confusões por causa de suas namoradas orientais. Só pilota usando um cachecol e uma cartola, ambos verdes, o que preocupa seu tripulante Nestor, (Earl Holliman) um grandalhão leal e tranquilo.
O problema que envolve a todos é: mais cedo ou mais tarde, a marinha deverá enviar seus aviões para atacar quatro pontes paralelas situadas no estreito desfiladeiro de Toko-Ri, espremido entre montanhas, uma rota vital para o fluxo de suprimentos das forças comunistas da Coréia do Norte. Para defende-las, os comunistas transformaram o desfiladeiro numa verdadeira galeria de tiro,  utilizando canhões antiaéreos de todos os calibres. O Contra-Almirante Tarrant acredita (ou tenta fazer seus subordinados acreditarem) que a destruição desta via de transporte abalaria a moral do inimigo a ponto de leva-lo para a mesa de negociações.
E é esta questão que coloca o filme entre a propaganda patriótica e o panfleto antibelicista. Nas guerras modernas, sempre surgem os tais “objetivos decisivos”, que, se alcançados, definiriam a sorte do conflito. Tudo isto para justificar a exigência do esforço máximo e a aceitação do sacrifício em troca de um suposto “bem de todos”. Porém, estudando a história dos conflitos do século passado, constatamos que a maioria destes objetivos, mesmo alcançados, geralmente não decidem absolutamente nada! (*)
E depois, quando finalmente vemos o preço cobrado, na forma do sacrifício de pessoas retiradas de suas atividades civis para serem descartadas nas chamas da guerra, e suas família enlutadas, podemos questionar: valeu mesmo a pena?
Perguntem à Sra. Brubaker e suas filhas, ou melhor, às famílias dos mais de 36.500 militares perdidos pelos EUA na Coréia. Excluindo-se a política internacional, o que mudaria no dia-a-dia dos americanos se os EUA tivessem aberto mão do envolvimento no conflito coreano?
Talvez a única diferença fosse que a maioria dos americanos nem sequer teria idéia da existência das duas Coréias.
O personagem Brubaker não foge à luta. Mas, numa conversa com o Contra-Almirante, demonstra seu descontentamento com a reconvocação, e confessa ter tido a tentação de simular uma doença para não ser enviado ao combate. Fica bem claro que ele não acredita nos motivos daquela guerra. 
Mas, como o bom cabrito que não berra, ele domina seus temores e finalmente se vê confrontado com o desafio de sua vida: as pontes de Toko-Ri!

Onde conseguimos homens assim? Decolam deste navio e cumprem sua missão...Depois, têm de encontrar este pontinho perdido no meio do mar...Quando encontram, tem que pousar numa pista que balança...Onde conseguimos homens assim?

A crueza das cenas finais, assim como o fato de sabermos que as baixas dos EUA nesta guerra foram mais de 146.000, entre mortos, feridos e capturados, parecem definir este filme de forma mais clara, pois se alguém desavisado pode ve-lo como propaganda, uma observação mais atenta vai encontrar pistas claras de uma denúncia sobre a forma como pessoas boas e honestas são lançadas na fogueira, para atender a objetivos político-ideológicos.
Essas pessoas abnegadas é que são enaltecidas no filme, não as causas que as levaram à estas situações extremas.
Harry Brubaker encara seu destino sem nunca acreditar nas supostas justificativas para a guerra, mas digno, desiludido e resignado diante do inevitável.

Elenco principal:
William Holden     (Harry Brubaker) – Carrancudo e invocado como sempre. Seu personagem tem a mesma postura descrente do Sgto. Sefton, de Inferno 17 e do pracinha  Shears, de A Ponte do Rio Kwai.
Grace Kelly     (Nancy Brubaker) – Linda como nunca.
Frederich March    (Contra-Alm. George Tarrant) – Perfeito. Dá um tique de prestar continência para a tela!
Mickey Rooney    (Mike Forney) – O baixinho encrenqueiro de sempre!
Earl Holliman    (Nestor Gamidge) – Bom no papel de um grandalhão corajoso mas não muito esperto. Voltaria como o cozinheiro de uma nave espacial em O Planeta Proibido(1956).


Sobre os Navios e Aviões:

O livro de Michener se inspirou em missões reais voadas por pilotos da VF-172, a bordo do porta-aviões Essex, onde o autor serviu como correspondente de guerra, durante o conflito da Coréia.
O filme, dirigido por Mark Robson, foi rodado no porta-aviões Oriskany (CV34). No livro, a aeronave voada por Brubaker e seus colegas era o caça-bombardeiro Douglas F2H Banshee. Porém, no filme, preferiram mostrar o então recém-chegado Grumman F9F-2 Panther. Em algumas cenas, pode-se ver no mesmo convés, diversos F2H Banshees, que estavam sendo substituídos gradativamente pelos Panthers. Um dos pilotos que voaram nas cenas do filme foi o então tenente Alan B. Shepard Jr., futuro astronauta.

Sobre o Roteiro:
As pontes parecem ser uma referência às pontes que cruzavam o rio Yalu, potenciais alvos dos ataques aéreos americanos e prioridade de defesa para os caças MiG-15 soviéticos. Durante a guerra, apenas uma delas não foi destruída por bombardeios.
Entretanto, há uma coisa que me causou estranheza, numa produção tão bem cuidada: será que um Contra-Almirante, comandante de uma força-tarefa empenhada em uma guerra real falaria com a esposa de um de seus pilotos sobre um dos próximos alvos selecionados? Foi o que fez Tarrant, comentando com Nancy sobre a missão que aguardava Brubaker! Acho que nesta, o roteiro viajou na maionese (não me lembro se Michener também, pois li o livro quando era criança).
____________________________________________________________

(*)Nota explicativa
Durante a II Guerra, a aviação americana perdeu aproximadamente 150 aviões e uns 1.400 tripulantes em dois ataques aéreos, numa tentativa de destruir as indústrias alemãs de rolamentos, concentradas na cidade de  Schweinfurt, pois segundo os serviços aliados de inteligência, isto paralisaria a produção alemã de aviões de combate. Na realidade, o insucesso foi completo: além do massacre e de não haverem destruído nem 20% dos alvos, mais tarde foi apurado que, mesmo que as fábricas fossem totalmente paralisadas, já havia estoques de reserva dispersos em quantidade suficiente para muito tempo, até que fossem novamente reconstruídas.
Outro objetivo "decisivo" nesta mesma guerra foi a ilha de Pennemünde, onde estavam situados os centros de pesquisa, desenvolvimento e produção das bombas voadoras V-1 e V-2. O arrasador bombardeio desferido pela RAF com mais de 300 aviões na noite de 15 de agôsto de 1943 não impediu que, meses mais tarde, Londres assistisse impotente à destruição causada pelos mísseis alemães. E esses, por sua vez, também não conseguiram mudar o rumo da guerra.
Os rumos de uma guerra às vezes são decididos por coisas mais sutis e gradativas, como decisões políticas cujos efeitos aparecem diluídos ao longo de períodos mais extensos.
A própria bomba atômica não foi decisiva, pois serviu apenas como golpe de misericórdia contra um Japão que já estava de joelhos.
Mas, permanece o velho hábito militar de fixar metas inatingíveis e tentar convencer os subordinados da importância de alcança-las a qualquer custo.

2 comentários:

  1. Leonel,
    Sobre o excelente texto acima, só quero comentar a infeliz necessidade que os homens que decidem as guerras (políticos) têm de sacrificar militares em nome de alguma coisa meio indefinida. O grande escritor Norman Mailer, escreveu o romance, "Os nus e os mortos" baseado na própria experiência de serviço militar de Mailer, nas Filipinas, durante a II Guerra Mundial. Um retrato cru profundo e perturbador da situação do homem comum quando em combate. Na história, os homens de uma patrulha designados para uma missão contra tropas japonesas estacionadas numa ilha das Filipinas, intenta uma ação completamente inútil como objetivo, impossível de obter êxito e mediocremente executada por inabilidade dos comandantes escolhidos. Como resultado quase todos morrem e, depois disso, verifica-se que era desnecessária tal missão. Exatamente o que você analisou do episódio das pontes de Toko-Ri. Abraços, JAIR.

    ResponderExcluir
  2. - Já vi esse filme antes...
    - Você já não tinha postado a matéria uns dias atrás?
    - E logo depois não tirou o doce da minha boca, quando eu já estava preparando um comentário?
    - Mas antes tarde do que nunca. Este é um filme que eu ainda não vi, mas já botei na minha lista de tarefas obrigatórias. Aliás, você deveria cobrar comissão do distribuidor.
    - Parabéns pela excelente resenha. Abraços.

    ResponderExcluir