Como nasci logo após o fim da II Guerra Mundial, me criei ouvindo meu pai lendo em voz alta para minha mãe e para mim relatos sobre fatos do conflito.
Ao que parece a guerra marcou bastante os que conviveram com ela, mesmo com um envolvimento menor por parte do Brasil.
Alegadamente, o principal motivo da entrada do Brasil na guerra foram os ataques de submarinos do eixo contra navios brasileiros.
Quando criança, eu ouvia adultos comentando que provavelmente quem tinha afundado nossos navios teriam sido os americanos, para forçar o Brasil a se posicionar ao lado dos aliados.
-"Vai alguém lá no meio do mar saber de quem era o submarino? Ainda mais à noite! Teve navio que não escapou ninguém pra contar a história!” - Resmungava um tio meu, desconfiado.
E eu cresci com essa dúvida, apesar de mais tarde ficar sabendo dos submarinos alemães afundados na costa brasileira e até tripulantes sendo capturados.
O almirantado alemão, onde ficavam os arquivos das operações da frota de submarinos na II Guerra, estava no lado oriental de Berlim, e esteve durante os anos da Guerra Fria em poder do governo da República Democrática Alemã, de regime socialista e aliada da União Soviética. Devido ao clima de antagonismo, o governo da Alemanha Oriental não compartilhava informações com as nações ocidentais. E, do lado de lá do muro, parece que tudo era restrito e reservado.
Após a queda do muro de Berlim, da reunificação da Alemanha e do surgimento e crescimento da internet, novos detalhes vieram à tona.
Finalmente, os pesquisadores da história naval puderam ter acesso aos arquivos do almirantado e o admirável apreço que os alemães sempre tiveram pelos registros históricos permitiu que muita coisa fosse esclarecida.
Com base num excelente levantamento feito pelo Gen da reserva Darcy Lázaro (FEB)(*) e nos dados do site U-BOAT.NET, pude ter a visão geral dos acontecimentos envolvendo nossos navios nos anos de 1942 a 1944.
O Brasil declarou guerra oficialmente à Alemanha e à Itália em 22 de agosto de 1942, quando já se contabilizavam as mortes de 607 brasileiros, em ataques de submarinos.
Porém antes mesmo da declaração de guerra, o Brasil permitiu a utilização de bases aéreas costeiras por aviões de patrulha da marinha americana, que operaram a partir de aeródromos em Natal, Fernando de Noronha, Recife e outros.
Os submarinos alemães do tipo IXC, maiores e de longo curso, eram os mais frequentes nas costas brasileiras. Com uma autonomia de 13.450 milhas náuticas a 10 nós, tinham um deslocamento de 1.120 t (superfície) e 1.232 t (submerso). Sua tripulação típica era de 48 a 56 homens e levavam 22 torpedos, que podiam ser disparados por 6 tubos, 4 na proa e 2 na popa. (Clique p/ampliar)
Nada menos de 21 submarinos alemães e 2 italianos participaram de ações ofensivas contra navios brasileiros. Os submarinos alemães que operaram na costa brasileira eram do tipo IXC (nove-c), maior e com maior autonomia, mas na costa americana e no Caribe, também surgiam os do tipo VIIC (sete-c), menores e com alcance mais curto.
Esses submarinos, no período entre fevereiro de 1942 e julho de 1944, afundaram nada menos de 35 navios brasileiros! Os primeiros foram no Caribe e em águas dos EUA, consideradas sob bloqueio naval pelos alemães.
O recordista foi o U-507, que, operando na costa do nordeste brasileiro sob o comando do capitão-de-corveta Harro Schacht, afundou 6 navios brasileiros num período de apenas quatro dias, de 16 à 19 de agosto de 1942 !
No comando do U-507, o capitão-de-corveta Harro Schacht afundou 6 navios brasileiros em 4 dias. Seu escore final foi de 19 navios, num total de 77.143 t ! Em 13-jan-1943, o U-507 foi afundado a noroeste de Natal-RN, por cargas de profundidade lançadas por um avião de patrulha Catalina PBY americano. Não houve sobreviventes.
E ainda teve a triste história de um pequeno barco de pesca de 20 toneladas, o Changrilá (Shangri-Lá), canhoneado pelo submarino U-199, em 22 de julho de 1943 ao largo de Cabo Frio (RJ), com a morte de seus dez tripulantes, metralhados para que não revelassem a presença do submarino!
Como na ocasião não foram encontrados os corpos, apenas alguns destroços, o desaparecimento deste barco permaneceu um mistério até 1999!
Mas, em 31 de julho de 1943, o U-199, do novo modelo IXD2 (nove-d2), foi localizado na superfície, ao largo do Rio de Janeiro, por dois aviões-patrulha que davam cobertura a um comboio marítimo, um Martin Mariner PBM americano e um Lockheed Hudson A-28 da FAB.
Anjo vingador: o Consolidated Catalina PBY da FAB que pôs a pique o U-199 foi mais tarde batizado como ARARÁ, nome de um dos navios torpedeados pelo U-507 em 1942.
Os dois aviões metralharam e lançaram cargas de profundidade. O submarino teve o leme de profundidade danificado, ficando impedido de mergulhar, mas navegava a todo o vapor na superfície, tentando escapar. Os atacantes haviam esgotado suas bombas. Então, surgiu o reforço de outro avião-patrulha, um Consolidated Catalina PBY da FAB, que, num ataque fulminante, atingiu a belonave alemã em cheio com três cargas de profundidade.
Segundo consta na narrativa do aviador brasileiro, corroborado pelo relatório do piloto do avião americano, que assistiu a tudo, as cargas detonaram em torno e sob o submarino, com tanta violência que sua proa saltou fora d'água, e ele começou a afundar rapidamente, levando consigo 49 tripulantes.
Fotos desta ação e outros dados sobre o afundamento podem ser encontradas em:
O veterano piloto do 1º Grupo de Caça Alberto Martins Torres (falecido em 2001), ainda aspirante-a-oficial, pilotava o Catalina, e narrou este episódio com detalhes no seu livro OVERNIGHT TAPACHULA.
Doze homens do U-199 sobreviveram e foram capturados, inclusive seu comandante, o capitão-tenente Hans-Werner Kraus. Todos foram recolhidos pelo destróier americano U.S.S. Barnegat e levados primeiro para o Brasil e posteriormente para os EUA como prisioneiros.
Lá, durante interrogatório, revelaram a história do ataque ao Changrilá, que no Brasil fora dado como desaparecido. Devido ao sigilo sobre os dados do interrogatório, somente em 1999 foi reaberto e encerrado o processo de investigação sobre o desaparecimento do pesqueiro e de seus tripulantes, arquivado em 1945.
E assim, em 2004 os nomes dos tripulantes mortos no Changrilá foram incluídos no Panteão Nacional, já que durante a guerra, a frota pesqueira era considerada oficialmente uma força auxiliar da Marinha do Brasil, no serviço de patrulha marítima costeira.
Desta forma, hoje eu sei com base em informações confirmadas, a identificação de cada submarino que afundou algum navio brasileiro, quem era o seu comandante e qual o fim dado ao submarino. Pena que não posso mais tirar as dúvidas do meu tio, que já se foi...
(*) - Gen. R/R Darcy Lázaro (FEB), Assoc. Ex-Combatentes, Seção Paraná, citado por Diniz Esteves, pesquisador
Nota 1:
Enquanto estava nos retoques finais deste post, recebo da querida amiga Sandra uma notícia do jornal ZERO HORA de Porto Alegre:
A família Schürmann encontrou nesta quinta-feira (14-jul-2011), no Litoral Norte de Santa Catarina, o submarino alemão U-513, naufragado em 19 de julho de 1943. Ele foi encontrado a 75 metros de profundidade.Foram dois anos de buscas, até encontrar a embarcação nazista conhecida como Lobo Solitário.
Link para a notícia completa:
[Cabe esclarecer que os submarinos (chamados pelos alemães de "lobos cinzentos"), utilizavam uma tática chamada "alcatéia" , onde o primeiro que localizasse um comboio naval transmitia em código sua posição e rumo, e outros submarinos que estivessem nas proximidades se reuniam, acompanhando o comboio até uma hora propícia, às vezes à noite, atacando todos ao mesmo tempo, afundando diversos navios e se dispersando para não serem alcançados pelos navios de escolta. Os submarinos que operavam isolados é que eram chamados "lobos solitários".]
Nota 2:
A querida amiga Carla me enviou links para o site: Gracindo - Conhecendo a História de Aracaju, onde o autor fala sobre o Cemitério dos Náufragos, criado em Aracaju (Sergipe), para enterrar os corpos das vítimas de três dos navios torpedeados pelo submarino U-507, que chegaram à uma praia local (hoje chamada Praia dos Náufragos) em tão grande número que não havia como transporta-los adequadamente para um cemitério oficial.
Veja em:
http://conhecendocesad.blogspot.com/2011/06/visita-ao-cemiterio-dos-naufragos.html
e
http://conhecendocesad.blogspot.com/2011/06/cemiterio-dos-naufragos-manifestacao-e.html#comments
Nota 2:
A querida amiga Carla me enviou links para o site: Gracindo - Conhecendo a História de Aracaju, onde o autor fala sobre o Cemitério dos Náufragos, criado em Aracaju (Sergipe), para enterrar os corpos das vítimas de três dos navios torpedeados pelo submarino U-507, que chegaram à uma praia local (hoje chamada Praia dos Náufragos) em tão grande número que não havia como transporta-los adequadamente para um cemitério oficial.
Veja em:
http://conhecendocesad.blogspot.com/2011/06/visita-ao-cemiterio-dos-naufragos.html
e
http://conhecendocesad.blogspot.com/2011/06/cemiterio-dos-naufragos-manifestacao-e.html#comments
Caro Leonel,
ResponderExcluirComo você, também sou fascinado por história de guerra e esses episódios envolvendo submarinos na costa brasileira são super atrativos, você mandou bem. Já publiquei também o texto "O Supérstite" que tratava do médico Luiz Augusto de Oliveira Lima, pai de uma amiga minha, que foi vítima de dois torpedeamentos, em março e junho de 1943, mas saiu com vida em ambos, daí ser supérstite. Abraços e bom fim de semana, JAIR.
Amigo,
ResponderExcluirQue espetáculo!
Embora eu seja MENINA A.D.O.R.O assuntos que envolvam nossa história, e como sabes, sou uma fanática por um bom filme, um bom livro ou uma boa notícia que envolva algo tão importante.
Logo que vi a notícia imediatamente lembrei de ti e a copiei e enviei, sabia que irias gostar, mas ignorava o post que estavas fazendo.
Ficou uma maravilha....
Um grande abraço,
Antes de ler-te trouxe uns corações pelo lindo comentário que iluminou minha manhã amigo:
ResponderExcluir♥ •˚。
°° 。♥。
●/ ♥•˚。˚
/▌
/ \ 。˚。♥
Agora vou mergulhar na sua narração.
:D
Fascinante relato de pesquisa amigo!
ResponderExcluirAqui em Sergope tem o Cemitério dos Naúfragos da II Guerra, perto da praia.
Vou colocar um pouco sobre isso, em um blog que vi tá?
É um pouco grande!
Então vou postar em outro comentário. Não querendo abusar do seu espaço.
Os bombardeios no litoral sergipano, a 20 milhas de Aracaju, A gota d’água para o Brasil entrar na II Guerra Mundial. Três navios da Marinha Mercante brasileira foram bombardeados na costa do Estado de Sergipe, causando a morte de quase 600 pessoas – entre elas mulheres e crianças, passageiros dos navios Baependi, Aníbal Benévolo e Araraquara.
ResponderExcluirA maioria dos corpos vieram para na praia, conhecida hoje como Praia dos Náufragos.
Conforme o artigo do Jornal da Cidade, através do relato do aposentado Rosalvo Fontes, que era funcionário público na época e ficou encarregado de transportar os corpos, os corpos foram levados “para os Cemitérios dos Cambuís e Santa Isabel, em Aracaju, mas depois não deu tempo, pois o mal cheiro era grande. Então enterramos ali mesmo onde hoje é o Cemitério dos Náufragos”.
A maioria dos corpos foi enterrado próximo da praia, em um cemitério criado para receber as vítimas desses naufrágios. Este cemitério é o dos Náufragos que em 1973 foi tombado pelo patrimônio estadual, mas se encontra abandonado.
O artigo do Jornal da Cidade relata o trabalho do estudante de História Luís Fernando Reis Menezes que “quer resgatar esse fato histórico e tornar o Cemitério dos Náufragos Patrimônio Nacional para garantir a sua preservação”.
O artigo do jornal da a dimensão dos bombardeios e sua repercussão:
No intervalo de apenas dois dias, 15 e 17 de agosto de 1942, foram torpedeados pelo submarino nazista U-507 o Bapendi, com 74 tripulantes e 235 passageiros; o Araraquara, que levava a bordo 73 tripulantes e 69 passageiros além de carga geral; e o Aníbal Benévolo, com 64 tripulantes e 83 passageiros, praticamente todos dormindo na ocasião do torpedeamento. Quase 600 pessoas morreram (os números divergem um pouco segundo os registros históricos consultados, mas em todas as publicações, o número de mortos ultrapassou 550). Cinco dias depois, em 22 de agosto de 1942, Getúlio Vargas declarou guerra ao Eixo.
Leonel, tirei daqui ó:
ResponderExcluirhttp://conhecendocesad.blogspot.com/2011/06/visita-ao-cemiterio-dos-naufragos.html
Parabéns pelo trabalho. Vc qq dia também devia escrever um livro sobre suas pesquisas amigo!
ResponderExcluirBom domingo!
Amigo,
ResponderExcluirAlgumas fotos aqui:
http://conhecendocesad.blogspot.com/2011/06/cemiterio-dos-naufragos-manifestacao-e.html#comments
Carla, obrigado pelos links, eu estive olhando o site, que conta o impacto que teve o aparecimento nas praias dos corpos das vítimas do U-507. Como eu citei, este submarino foi o que mais navios brasileiros afundou (6), mas pagou caro: acabou sendo destruído, sem sobreviventes, por um dos aviões-patrulha da US Navy, baseados em território brasileiro.
ResponderExcluirVou acrescentar uma nota no meu post.
Obrigado, Carla!
Leonel..fico encantada com seu post tão cheio de informação e pesquisa.
ResponderExcluirPercebe-o o amor com que vc o fez, com a intenção de compartilha-lo conosco.
Obrigada meu amigo!!
Bj
Ma
Se algum leitor tinha dúvidas quanto aos reais motivos da entrada do Brasil na segunda guerra, creio que não tem mais. E àqueles que pensam que a participação do Brasil foi meramente simbólica recomendo acompanhar as postagens do Leonel sobre o assunto. Aplausos ao amigo e às suas "correspondentes de guerra" - Sandra e Carla. Parabéns!
ResponderExcluirPresente pra mais uma aula de História com o Professor Leonel. Maravilha! Riqueza de detalhes, esmero na informação...
ResponderExcluirBeijos, querido.
Até à próxima aula.
Bem curioso,
ResponderExcluirsempre vi o submarino
como uma grande metáfora poética.
Boa tarde!
ResponderExcluirEstar com você é como entrar em uma maquina do tempo.
Gosto admiro e recomendo seu blog!
Um forte abraço Leonel!
Espero por vc no Alma!
Leonel,
ResponderExcluirEstava lendo mais uma vez seu post e percebi como uma guerra marca a gente né?
Vc pequenino ainda. Imaginei o quão seria difícil falar da guerra para uma criança.
Um beijo, hoje naquela criança que nasceu após a II Guerra.
Carla
gostei do blog, mas já ouvi dizer q...
ResponderExcluirquem atacou o Brasil foram Americanos(EUA)... Que se fantasiaram
de Alemãs para o Brasil poder entrar na Segunda Guerra Mundial, aliado com o Estados Unidos...
Alias qual o motivo d alemãs atacarem o Brasil?? Uma Polemica...
Queria tirar essa historia a limpo...
Entre em contado:
Facebook: pablo.coelho@live.it
Abracos ae... continue com seu trabalho!!!
Muita gente daquela época ouviu dizer coisas assim...
ExcluirHoje, sabemos qual submarino do eixo afundou cada navio brasileiro, graças aos arquivos alemães. Aliás, eles nunca negaram isto.
O motivo dos ataques é claro e simples: o bloqueio imposto à Grã-Bretanha e aos EUA!
Este é um assunto encerrado!
O resto, é conversa de boteco...
Abraços!
Valleww!!!!
ExcluirAbraços...
Up !! CETS <
ResponderExcluirSou MArcelo Lago, e teu um boato, que MATINHOS, um municipi litoranel Isolado nos anos 40, e que usava a baia de Guaratuba, para dar cobertura aos alemaes durante a segunda Guerra. Matinhos, até hoje, tem descendentes de alemães, e que moram nos morros, isolados da atual sociedade que lá habita.
ResponderExcluirBem, Matinhos aparece muito bem neste video
https://www.youtube.com/watch?v=Onw6QH7QmE8, que retrata a descida do Zeppelin, ja com a SUatica,no litoral do Parana. Observe o estilos das casas na data do Video, tipico alemao.
Mue email: marceloxlago@yahoo.com.br e marceloxlago@gmail.com
Meu avo falava muito disto, mas morreu sem dizer como que sabia de tantas coisas ligada a guerra.
Marcelo, o vídeo do You Tube mostra movimentação de pessoas numa praia, e em determinado momento, uma cena aérea de um dirigível, tipo Zeppelin, no ar, sem conexão com as outras cenas. Aliás, o que chama a atenção é uma espécie de cabo entrando mar adentro.
ExcluirHouve, na época do nazismo, muitos boatos sobre comunidades de origem alemã no sul do Brasil que apoiavam secretamente o regime do III Reich, praticando supostos atos de sabotagem. Eram às vezes perseguidos e pejorativamente chamados de "quinta-colunas", às vezes até sem comprovação.
Mas, isto daria para escrever um livro! Eu nunca fiz nenhuma pesquisa neste sentido!
Abraços!