Na década iniciada em 1951, em meio à Guerra Fria, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) disputavam a primazia de conquistar o espaço, o que seria um ótimo objeto de propaganda, coisa que os dois oponentes valorizavam bastante.
Surpreendentemente, após uma série de fracassos americanos em tentativas de colocar em órbita um satélite artificial, em 4 de outubro de 1957, a URSS convidou oficialmente os operadores de rádio de todo o mundo a sintonizarem a frequência de 20.007 Mhz e ouvirem o bip-bip emitido pelo primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik I!
Ouça o som do Sputnik...
O Sputnik I causou grande impacto nos EUA, que colecionavam fracassos. Mas, hoje se sabe que os soviéticos também esconderam muitas mancadas...
O golpe foi sentido pelos EUA, e este fato acabou por expor ainda mais os efeitos da dissipação de esforços e do desperdício de verbas pelos americanos, que mantinham nada menos de quatro programas espaciais paralelos e independentes, competindo entre si sem trocarem informações! Esses absurdos já haviam sido observados e, após os fiascos iniciais das tentativas de lançamento de satélites, e de mais este revés, um ato governamental decretou a unificação dos esforços e conhecimentos, sob a jurisdição da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (National Aeronautics and Space Administration ), sigla NASA, criada oficialmente em 29 de julho de 1958, mas que só começou a operar em primeiro de outubro daquele ano.
Após o lançamento de outros artefatos da série Sputnik (não quero falar aqui da pobre cadelinha laika, primeira mártir do espaço), os americanos também conseguiram finalmente lançar seu satélite Explorer I, em 30 de janeiro de 1958. Mas, os soviéticos voltaram à carga, e foram também os primeiros a atingir a Lua com uma nave não-tripulada da série Lunik (ou Luna), depois de algumas tentativas.
Em 1961, os americanos, já sob a regência da NASA, tinham selecionado um grupo de sete astronautas que estavam em treinamento, para que um deles se tornasse o primeiro homem a ser lançado no espaço. O projeto era chefiado pelo cientista alemão Werner von Braun, criador dos mísseis V-1 e V-2, usados como armas pela Alemanha na II Guerra. Mas, vários problemas técnicos com os foguetes lançadores comprometiam a segurança do projeto e o programa estava empacado.
Até que, em 12 de abril de 1961, os soviéticos voltaram a abalar o mundo, ao anunciar oficialmente que o aviador russo Yuri Gagárin havia completado uma órbita em torno da Terra a bordo da nave espacial Vostok I e regressado são e salvo!
Esta foto de Yuri Gagárin, liberada pela agência de notícias do governo soviético, apareceu estampada em todos os jornais do mundo, no dia seguinte ao grande evento.
Gagárin media menos de 1,60 m e pesava 69 kg, fator que deve ter influido na sua seleção, já que a cápsula não era nada espaçosa. Ele teve que encarar todos os medos e ansiedades que sempre atormentaram os seres humanos, como claustrofobia, aerofobia, medo da morte e angústia, tudo isto encerrado numa apertada esfera de metal que mal lhe permitia estender o braço!
Depois de suportar a brutal aceleração do foguete lançador, que alcançou a fantástica velocidade de mais de 20.000 km/h, viu o céu escurecer e teve consciência de que tudo dera certo no lançamento, mas agora estava encerrado naquele cubículo, separado por centímetros daquela imensidão de vácuo gelado, onde, se ficasse exposto sem proteção, seu sangue ferveria e seu corpo inflaria devido à diferença de pressão, antes de ser congelado para sempre. Para observar o exterior, tinha apenas três pequenas escotilhas, e um visor sob os pés.
Diagrama da nave Vostok: uma claustrofóbica cápsula onde Gagárin ficou por menos de 108 minutos. (Clique para ampliar)
E foi através dessas escotilhas que ele teve a surpreendente visão que anunciou para sua base na Rússia, numa frase que correria o mundo e entraria para a história:
-“A Terra é azul!”
A Terra não era aquela mistura de cores que até então víamos nos globos escolares, onde o azul se limitava aos mares e cursos de água e o verde predominava nas partes emersas. Devido ao efeito da camada atmosférica, nosso planeta visto do espaço é esta linda bola azul que maravilhou e surpreendeu o cosmonauta pioneiro. Seu voo durou 108 minutos, e apenas uma órbita foi completada.
No seu retorno à Terra, ainda teria que enfrentar o aquecimento da reentrada na atmosfera, quando a cápsula vindo do vácuo absoluto começaria a atritar com o ar cada vez mais denso. Para isto, sua nave contava com uma blindgem térmica que deveria resistir e isolar o seu ocupante do calor abrasador. E, se tudo isto corresse bem, retrofoguetes seria usados para diminuir a razão de descida e ele aguardaria até uma altitude de 7.000 metros, onde acionaria o seu assento ejetor, semelhante aos usados nos caças a jato, e seria arremessado através de uma escotilha de escape previamente descartada, abriria um paraquedas estabilizador do assento e só se separaria dele a 4.000 metros, fazendo a descida final pendurado em seu paraquedas individual, enquanto a cápsula desceria pendurada ao seu próprio paraquedas. Mas, escondendo esses fatos, os soviéticos afirmaram que Gagárin pousou a bordo da cápsula, pois do contrário, o voo não seria homologado como recorde pelas normas da Fédération Aéronautique Internationale (FAI). Só em 1971 eles admitiram que o cosmonauta se ejetara da nave.
Mas, tudo deu certo, e, no dia seguinte, todos os jornais do planeta estampavam na primeira página a foto oficial do aviador da Força Aérea Soviética Yuri Alekseievitch Gagárin, filho de um casal de operários de uma fazenda coletiva russa, que era apenas mais um piloto de caças MIG, até ser selecionado para ser “cosmonauta” (os russos sempre chamaram seus viajantes espaciais de cosmonautas, ao invés de astronautas).
Sua ascensão na carreira foi também meteórica, pois ao deixar a Terra a bordo da Vostok era apenas um primeiro-tenente, mas ao pousar, recebeu imediatamente a grata notícia de que durante seu voo, fora promovido ao posto de major, sem nunca ter usado sequer as insígnias de capitão!
A Vostok original: será leiloada pela Sotheby's, de Londres, no aniversário do seu voo. Para quem estiver interessado, ela foi avaliada entre 2 a 10 milhões de dólares!
A humanidade galgara mais um degrau! O homem não estava mais restrito apenas à Terra, já era capaz de sair e regressar ao seu planeta de origem! E o mundo nunca mais seria o mesmo! Os voos espaciais já não eram apenas domínio da ficção-científica. Enquanto isto, a juventude americana caia no embalo do rock 'n roll, para desespero dos pais, que não viam como afastar seus filhos da “música do demônio” e das festinhas miscigenadas e promíscuas.
Gagárin foi condecorado pelos seus feitos com a Ordem de Lenine e a com a medalha de Herói da União Soviética. Virou uma celebridade internacional e garoto-propaganda do regime soviético, percorrendo diversos países do mundo, inclusive o Brasil, onde recebeu das mãos do presidente Janio Quadros a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, mesma comenda que mais tarde detonaria uma crise política no governo, ao ser concedida ao ministro cubano Ernesto “Chê” Guevara.
De volta á União Soviética, Gagárin foi para a “Cidade das Estrelas”, centro de treinamento espacial russo, onde trabalhou na formação de outros cosmonautas soviéticos. Em 1962 foi nomeado para o parlamento soviético como deputado.
Após ficar alguns anos praticamente afastado das atividades aéreas, teve que fazer um estágio de requalificação como piloto. Em 27 de março de 1968, já no posto de coronel, durante um voo de instrução rotineiro sobre Kirzhach, o MiG-15UTI biplace onde ele estava com seu instrutor de voo Vladimir Seryogin sofreu um acidente e ambos vieram a falecer. As causas não foram publicadas pelo governo soviético. Mas, em 2003, após a queda do regime comunista, documentos sigilosos foram liberados, revelando que a investigação do acidente não foi conclusiva. Sabe-se apenas que o avião entrou em parafuso, por ter entrado na turbulência de outra aeronave ou por colisão com algum pássaro.
Atualmente, o centro de treinamento de cosmonautas em Baikonur, Cazaquistão leva o nome do primeiro homem que viu a Terra azul.
O impacto causado nos EUA pelo voo de Gagárin fez com que os americanos fossem levados a um esforço máximo e, em 5 de maio de 1961, menos de um mês após o feito russo, o astronauta americano Alan Shephard Jr. foi lançado em um vôo suborbital que durou menos de 15 minutos e alcançou 212 km. Finalmente, em 20 de fevereiro de 1962, John Gleen salvou a pátria, sendo o primeiro americano a percorrer órbitas (3) em torno da Terra.
Mas, antes dele, outro cosmonauta russo, Gherman Titov, também já havia subido em 6 de agosto de 1961, a bordo da Vostok II e passado 25 horas no espaço, chegando até a dormir, enquanto percorria 17,5 órbitas terrestres.
A disputa entre as superpotências prosseguiu, e os americanos, corrigindo seus erros administrativos e técnicos, foram gradativamente superando os soviéticos, até ao histórico pouso do módulo lunar Eagle da Apollo XI na Lua, em 20 de julho de 1969, que fez os russos jogarem definitivamente a toalha, encerrando a corrida espacial.
Quanto a mim, guardarei para sempre a emoção que senti em 1961, ao saber que um novo mundo de sonhos se abria para a humanidade e que havia mais coisas para descobrir, bem além dos limites do quintal da minha casa e das ruas do meu bairro...
Curiosidade: se alguém estiver interessado em comprar a nave Vostok I original, ela será leiloada em Londres pela Sotheby's, no dia 12 de abril de 2011, data em que se comemora o qüinquagésimo aniversário do primeiro vôo cósmico tripulado.